It's a one time thing
It just happens a lot

Suzanne Vega

domingo, 29 de novembro de 2015

ABC   ALL OF MY HEART

De The Lexicon of Love, o impecavelmente interpretado e embrulhado álbum de estreia dos ABC, em 1982, sai All of my heart, uma minissinfonia de crescendos de cordas, pianos embevecidos, picos de emoção seguidos de silêncios abruptos, um longo e excelente final apenas instrumental, e uma letra de seda fina retirada do vocalista Martin Fry como se fosse um libretista de ópera italiana. Um pedaço de pastelaria barroca em forma de canção. Saboreemos. E.M.  

ABC, All of my heart (1982) 


Add and subtract but as a matter of fact
Now that you're gone I still want you back.
(...)
Spilling up in silk and coffee lace, 
You hook me up a rendezvous at your place, 
Your lipstick and your lipgloss seals my fate.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

NUNCA HAVERÁ PACHORRA PARA...

David Fonseca

Se algum dia fosse director de uma estação de rádio, daria liberdade aos meus colaboradores na escolha dos artistas e temas para passar. Sem restrições. Sem listas negras. Excepto... David Fonseca. Condenado por crimes contra a cultura nacional e contra a música em geral, não teria acesso às ondas hertzianas e digitais.

Ó céus, por onde começar? Antes de mais, por o seu talento e as suas capacidades artísticas serem inversamente proporcionais ao que ele pensa de si. 
Depois, vamos por partes:
. A sua voz é fraca, desafina, não tem alma.
. As suas letras são de pé quebrado, o seu inglês, quando não apresenta erros rasteiros, é soluçante e macarrónico.
. As suas capacidades de compositor mantêm-se inalteradas desde os tempos dos Silence 4 (cujo sucesso é para mim um dos grandes mistérios dos anos 90. Só a lembrança das desarmonias vocais entre Fonseca e a outra vocalista, Sofia, me causa arrepios).
. Fotógrafo, videógrafo? É melhor nem sequer entrarmos por aí.

Lembram-se dos Humanos, esse maravilhoso projecto de recuperação arqueológica e modernização de temas que o grande António Variações deixou em esboço? Eram três vocalistas: Manuela Azevedo (dos Clã) e o fadista Camané... e David Fonseca. E a prova do génio de Variações, Azevedo, Camané – e já agora de Nuno Rafael, na produção – é que nem a participação de David Fonseca conseguiu estragar o disco. 

David Fonseca tem novo álbum a solo. O primeiro em português. Chama-se Futuro Eu. Se ao menos se mantivesse no passado dele... E.M. 


P.S.: Para desanuviar, um tema dos Humanos: A culpa é da vontade. Canta Manuela Azevedo, trazendo na pele a sensualidade misturada com retraimento que era apanágio de António. Musicalmente, um contagiante pedaço de trip-hop – confiram a dengosidade da bateria de Sérgio Nascimento.

                                               Humanos, A culpa é da vontade (2004)




  

terça-feira, 24 de novembro de 2015

THE CURE EM PORTUGAL EM 2016

Anunciado ontem pela Everything is New. Para daqui a um ano exactamente: 22 de Novembro, no Pavilhão Atlântico (verdadeiro nome do M*O  A*E*A), ao Parque das Nações, Lisboa. Em Março de 2008 deram um grande concerto no mesmo local. Grande mesmo, foram mais de três horas, com quase tudo o que um fã poderia pedir. Quase... seria muito esperar que no ano que vem desencantassem do fundo do baú a belíssima Catch? A esperança não morre... E.M. 

The Cure, Catch (1987) 

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

TITÃS  COMIDA


Arnaldo Antunes, mais tarde celebrizado por cá como um terço do projecto Tribalistas, tinha apenas 26 anos quando escreveu a letra e cantou este tema do grupo de rock brasileiro que então integrava, os Titãs. Chama-se Comida, é uma espécie de marcha funk electrónica que serve uma empolgante e impressionante chamada às armas da consciência, íntima e colectiva, para nunca esquecermos o que o ser humano tem de melhor e de mais imprescindível. Reparem bem no ritmo, nas dobras da língua, na eficácia. Não é por acaso que Arnaldo se licenciou em Linguística. Um dos grandes poetas da língua portuguesa. Porque a gente quer inteiro e não pela metade. E.M.

A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte

A gente não quer só comida
A gente quer bebida
Diversão, ballet
A gente não quer só comida
A gente quer a vida
Como a vida quer

A gente não quer só comer
A gente quer comer
E quer fazer amor
A gente não quer só comer
A gente quer prazer
P'ra aliviar a dor


A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer dinheiro
E felicidade
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer inteiro
E não pela metade

quinta-feira, 19 de novembro de 2015




IF YOU TOLERATE THIS
YOUR CHILDREN WILL BE NEXT 

Belíssima canção dos Manic Street Preachers, banda galesa de agit-rock. Lançada em Agosto de 1998, ainda no final da última década de bonança, era um grito de lembrança dos totalitarismos passados. Neste caso, um slogan utilizado nos anos 30 face ao avanço do fascismo e à necessidade de defesa da Liberdade e da união. Neste conturbado século XXI, que seja um grito de luta contra os que, querendo aproveitar-se das fragilidades inerentes à democracia, estão a atacar tudo por que milhões de europeus pugnaram ao longo dos últimos séculos: a possibilidade de pensar por si mesmo, sem medo de reis, deus ou de inferno. Se tolerarmos teosofias, os nossos filhos serão tudo menos livres.



Manic Street Preachers, If you tolerate this your children will be next (1998) 


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Dom La Nena – língua à volta do Mundo

Confesso que até há poucas semanas nunca tinha ouvido falar de Dom La Nena (de sua graça Dominique Pinto, nascida em 1989 no Rio Grande do Sul). Mas um spot passado na Antena 1 chamou-me a atenção – seria a voz? a cadência? a respiração? Enfim, encurtando a história, na noite de 4 de Novembro lá me desloquei ao Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém para ver o concerto da jovem brasileira. 

Numa sala muito bem-composta a nível de público (estava integrada no festival Misty Fest), uma actuação rigorosamente a solo, baseada essencialmente no segundo/último álbum, Soyo (2015), e que bela surpresa que foi. Tocou tudo: violoncelo, guitarra eléctrica, ukelele, percussões, teclas, caixinha de música... usando a técnida da loopstation para iniciar os instrumentos de base, continuando estes a tocar sozinhos ao logo da canção. Uma espécie de "one woman band", basicamente. Dado que estudou violoncelo na Argentina, viveu em Paris e agora também anda por Lisboa, não espanta que tenha cantado em português, "brasileiro", francês, castelhano e inglês. E é de uma forma muito redondinha que as línguas se vão entrelaçando umas nas outras. 

As suas canções são pequeninas mas não são simples. São cativantes e leves e algo misteriosas. É uma rapariga diferente, lá isso é. Foi um prazer ver como comandou a audiência, contou histórias, fez inesperados. Cantou uma versão de Felicidade, o clássico do seu conterrâneo Lupicínio Rodrigues, e escapuliu-se após o encore pela porta  principal do Pequeno Auditório enquanto a plateia ainda cantava "la Nena soy yo". Quando saí ainda ouvi ao longe os sinos que tinha amarrado no seu tornozelo. E.M.

Dom La Nena, Vivo na maré (2015)

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

REPÓRTER ESTRÁBICO – e o estado da política nacional

Os veteraníssimos Repórter Estrábico, do Porto para o Mundo com o seu "techno pop irónico", têm em Biltre  (álbum Eurovisão, de 2004), a definição definitiva (passe a redundância e o pleonasmo) da classe política nacional, mais visível ainda nestes tempos de incerteza e esvaziamento.


Repórter Estrábico, Biltre (2004)

E junta-se a letra, com incursões em termos que começam a desaparecer nas trevas da língua portuguesa, mas cuja argúcia e acuidade não devem ser esquecidas.  E.M.



Repórter Estrábico, Biltre 

Biltre, cabotino, mentecapto
Lorpa, palhaço, morcão
Bronco, sabujo, tacanho
Grunho, pilantra, lambão

Pulha, bacoco, execrando
Bruto,  cabresto, pimpão
Alarve, ranhoso, pacóvio
Rafeiro, canalha, gingão

Cretino, palerma, simplório
Velhaco, energúmeno, calão
Tinhoso, primitivo, leviano
Grosso, pachola, cagão

Biltre, cabotino, mentecapto, fascista fascista
Biltre, cabotino, mentecapto, fascista fascista

Moina, troglodita, calaceiro
Besta, vadio, matulão
Maroto, janota, parasita
Tosco, galdério, maganão

Crápula, facínora, pendura
Marmanjo, sendeiro, parolão
Reles, azeiteiro, salafrário
Falso, rasteiro, parvalhão

Biltre, cabotino, mentecapto, fascista fascista

Biltre, cabotino, mentecapto, fascista fascista

segunda-feira, 9 de novembro de 2015


Sétima Legião, O canto e o gelo


Sétima Legião, um dos nomes fundamentais da música nacional nos anos 90, firmemente com um pé no eixo urbano-depressivo Manchester-Liverpool e outro nas aldeias do interior português. Do primeiro álbum, A um Deus Desconhecido (1984), escolhi O canto e o gelo, um tema que de português quase só tem a letra, mas que demonstra como um grupo de jovens da Avenida de Roma podia produzir canções de recorte rock internacional  que nada ficavam a dever a uns, digamos, Echo & The Bunnymen. A bateria é implacável, a voz de Pedro Oliveira imponente, teclados milimetricamente encaixados, a malha de guitarra é infecciosa – aliás, é daquelas que muitas vezes assobio quase inconscientemente. Letras de uma poesia torguiana: "E quando o frio passou só me ficou o encanto de um segredo." Produção imérita de Ricardo Camacho e Pedro Ayres Magalhães. Um fogo gelado que ainda não se apagou. E.M.


Sétima Legião, O canto e o gelo (1984)

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

RÁDIO NOSTALGIA: O REGRESSO


Desde finais de 2011, regressou a Portugal a Rádio Nostalgia. Esta segunda vida é uma franchise da NRJ International, produzida no nosso país pela maioria da equipa da antiga Rádio Paris-Lisboa, e nas frequências da mesma: 90.4 FM para a Grande Lisboa e 90.0 para o Grande Porto. O formato é simples: recuperação de êxitos do pop rock anglo-saxónico (essencialmente) dos anos 60, 70 e 80, mais uma boa dose de portugueses, para cumprir a quota da famigerada lei da música nacional. 

Quanto às vozes: 

*Luís Talete (que, creio, ainda faz as manhãs), a fazer o que Luís Talete fez na Capital. Nem melhor nem pior nem diferente.
*Já Manuela Paraíso é outro caso. Senhora de uma voz maravilhosa, verdade, mas não consigo enxotar a sensação de que ela gostaria era de estar a apresentar temas dos Coil ou dos Hugo Largo. Isto porque os seus gostos são mais do que alternativos, são exotéricos. Tem uma grande carreira de escriba e de realizadora, nomeadamente na mítica Rádio Azul nos épicos anos 80 da Margem Sul, e depois na XFM. Mas enfim, é sempre um veludo a sua voz nos nossos tímpanos.  
*Quanto a Paulo Lázaro, que orienta por agora o bloco do regresso a casa, é o inverso: nota-se ali, para além de uma excelente articulação vocal (será a sua costela de actor?), um gosto e um conhecimento genuínos de muito do que passa.    

A informação, com blocos muito curtos à hora certa, é de qualidade, sem grandes rasgos (também é preciso aceitar que é uma rádio esmagadoramente musical). 

A maioria das colaborações exteriores (Luís Ferreira de Almeida e a sua venerável Idade da Inocência, que tantos anos esteve na TSF juntamente com Margarida Pinto Correia, por exemplo) terminou, creio que devido a contenções financeiras, e como também já aconteceu noutras rádios do grupo radiofónico de Luís Montez. 

Assim, as que continuam são da prata da casa: Nostalgia Renovável (Orlando Azevedo), Paris Mon Amour (Ricardo Filipe de Matos a traçar linhas para a música francesa, numa das ligações que restam à antiga estação "oficial" do Estado francês) e Garota de Ipanema, artistas brasileiros muito bem escolhidos por Antonieta Lopes da Costa, que é a directora da estação.

Claro que não poderia faltar uma referência a Nuno Infante do Carmo, o inefável NIC, um dos homens com mais conhecimentos e humor do universo radiofónico nacional. É da sua responsabilidade a rubrica diária Uma Data de Música (efemérides musicais), e só o nome já é uma delícia, e os especiais de fim-de-semana. 

A programação vem já definida dos donos do franchise. No geral aceita-se bem, e é bom ouvir, por exemplo, canções que escaparam ao radar – exemplo: Follow you follow me, dos Genesis. Mas também não deixa de surpreender uma certa inflexibilidade na renovação da playlist, e a insistência em alguns temas cuja vida em Portugal foi, e em certos casos justamente, inexistente (Dust in the wind, dos Kansas). E.M. 

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

NELSON MOTTA NOITES TROPICAIS (livro)

Não sei se é já a nostalgia de (mais) um Verão que se foi foi, mas tenho andado nos últimos tempos de olhos e ouvidos atentos aos camaradinhas lá de Terras de Vera Cruz – o tal de Brasil. E um dos principais pilares desta abordagem tem sido um maravilhoso livro, lido e relido: Noites Tropicais, de Nelson Motta. A edição que me chegou, através das mãos de Helena A., rapariga que percebe muito de letras, é a original brasileira, da Objetiva, de 2000, mas creio que já houve uma edição portuguesa. Na Fnac, por exemplo, creio que ainda se consegue apanhar um ou outro exemplar.



Trata-se de uma autobiografia de um homem que esteve no centro, ou pelo menos nas laterais, de quase tudo o que aconteceu de importante na música brasileira entre finais da década de 1950 e meados da de 1990 – a acreditar no que ele escreve, pois fica-se sempre com uma leve impressão de exagero, mas enfim, os tropicais são assim, e os escritores são assim. Por outro lado, mesmo tendo três revisoras, surgem coisas como o Festival da Ilha de White. Devem querer dizer da ilha de Wight, não,meninas? 
Foi letrista, produtor, apresentador de rádio e televisão, promotor, publicitário, jornalista, enfim, tudo. Conheceu todos, bebeu com todos, cantou e tocou com todos, escreveu sobre todos, dançou com todos, dormiu com todas. 
Autobiografia escrita de maneira gingada, de malandrice e emoção na ponta do violão, de alguém com grande conhecimento do que fala, dos pormenores que marcam as histórias, de um homem com uma fome de viver e divertir e culturar inversamente proporcional à sua estatura: 1,67m. (Quando, sendo casado, teve um caso com Elis Regina, o então marido desta, Ronaldo Bôscoli, teve uma tirada acerada: "Finalmente Elis encontrou alguém à sua altura.)
Ficamos a saber como João Gilberto cantou e tocou uma noite inteira, a sós, para Nelson. Ficamos a saber como foi preso pela polícia num festival que estava a apresentar, por fumar um "baseado".
Ficamos a saber que só pediu um autógrafo em toda a sua vida: a Roberto Carlos.
(Quase) Ficamos a saber da sua paixão por Marisa Monte, vinte anos mais nova e que ele ajudou a lançar...
Bossa Nova, Tropicalismo, MPB, Rock brasileiro... 
Um livro recheado de informação, mas que se lê como uma brisa.
Houvesse vontade (e verbas) para o reeditar e divulgar como deve ser em Portugal.


Dancing Days, Frenéticas (1978)


Para ilustrar uma carreira... bem, frenética, ficam As Frenéticas com Dancing Days, tema da telenovela de 1978 da Rede Globo e que foi sucessão por cá também. Para que se saiba, a novela foi feita a partir da verdadeira discoteca de nome Dancing Days, que foi pensada e gerida nos seus gloriosos quatro meses de existência por Nelson Motta. Que também escreveu a letra desta canção... Pensando bem, se calhar o homem estava mesmo em todas. E.M.