It's a one time thing
It just happens a lot

Suzanne Vega

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Teatro Thalia   Das Laranjeiras com amor


Quem está em Sete Rios, junto ao Jardim Zoológico e segue pela Estrada das Laranjeiras, dá logo, à sua esquerda, com um palacete onde está instalada a Secretaria de Estado da Educação e, mesmo do outro lado do pátio, o Teatro Thalia. 
Este Teatro Thalia, que é gerido pelo próprio Ministério da Educação, é o resultado de uma bela recuperação do edifício que deu fama, em meados de século XIX, ao conde de Farrobo. O teatro, que ardeu em 1862, foi, nos anos anteriores, palco de espectáculos e festas sumptuosas que faziam abrir a boca da sociedade de então - surgindo assim a palava "farrobodó"...
Depois de décadas de abandono e em ruínas, o edifício está desde 2013 recuperado, com o interior muito em bruto e o exterior modernizado, e todas as capacidades técnicas. Aí têm sido efetuados concertos, peças de teatro, lançamentos de discos e livros, etc. É realmente um espaço muito bonito, bem isolado do ruído urbano mas de fácil acesso e (coisa de ouro nos dias que correm) estacionamento fácil e gratuito.
Nos últimos tempos assisti a um concerto da Orquestra Metropolitana de Lisboa (Mahler, Mozart e Schubert) e a uma peça da Yellow Star Company (Don Giovanni, com grande destaque para o Leporello de António Machado, imenso actor cómico que se mostra com pé para o drama). 
Pelo edifício, pela envolvência, aconselho que se procure a programação aberta ao público e se assista a um espectáculo. E assim se faça uma pequena homenagem ao espírito erudito, aventureiro e divertido de Joaquim Pedro Quintela, segundo barão de Quintela e primeiro conde de Farrobo. E.M.






  

sábado, 29 de agosto de 2015

Rolling Stones   Sticky Fingers


Cá por mim, não é necessário qualquer pretexto para ouvir Sticky Fingers, essa maravilha suja, poeirenta e viciosa de um álbum lançado originalmente em Abril de 1971 pelos Rolling Stones. Mas a banda, a reboque da sua Zip Code Tour (concertos na América do Norte entre Maio e Julho deste ano), re-re-editou-o, com remisturas, takes alternativos, versões ao vivo e etc.

O nome da digressão é um claro piscar de olhos do disco - "zip code" quer dizer código postal, mas "zip" significa também fecho éclair, e o disco tem na capa a parte da frente de umas calças vestidas num modelo masculino. E nas edições originais tinha mesmo, segundo ideia saída da cabecinha de Andy Warhol, um fecho verdadeiro, que se abria e fechava. Mas o dito fecho riscava as capas dos discos que se colocavam junto a Sticky Fingers, por isso teve de ser eliminado em edições posteriores em vinil.

Mas voltemos ao disco, que afinal é o mais importante. Por mais que seja limpo, remixado e etceterizado, o que conta mesmo são as canções, gravadas em pedra por uma banda em alucinogénico estado de graça com os seus fantasmas musicais da América profunda: blues, southern rock, country e soul. 

Estive indeciso quanto ao tema para  ilustrar. Can't you hear me knocking foi um forte candidato, mas o facto de os dois últimos terços serem essencialmente uma jam desconexa de saxofone e percussões pesou contra. Assim, avança a carta de abertura: Brown sugar, com mais um riff de open tuning na guitarra de Keith Richards e uma montanha de swagger de Mick Jagger em deambulações por relações perigosas entre brancos e negros, patrões e criadas no Grande Sul. Já agora, também grande saxofone do já falecido Bobby keys, uma das personagens fulcrais da biografia de Richards, Life, que será mais tarde aqui abordada.

Só uma das muitas histórias aí descritas: Richards queria que Keys fosse em digressão com os Stones nos anos 80, Jagger estava contra. Como nos ensaios faltava qualquer coisa, Keith telefonou ao seu compincha texano e disse para ele se meter num avião. Chegado ao pavilhão, começou a tocar, e Jagger disse que aquilo estava soar mesmo bem. E só depois viu que era Keys. O saxofonista ficou para toda a digressão, mas o vocalista não lhe dirigiu uma única palavra. Enfim, feitios.

Brown sugar, então. "How come you dance so good?", pergunta Mick. Com um groove destes é difícil ficar parado. E.M.


Rolling Stones, Brown sugar (1971)

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Bob Marley & The Wailers

em Trenchtown rock 


Bob Marley, como sabe todo o rasta que se preze (mesmo que os dreadlocks sejam apenas na alma e não no cabelo), morreu a 11 de Maio de 1981, de cancro, com apenas 36 anos. O que muitas vezes não se diz é que a doença - que poderá, diz-se o rumor, ter tido origem num pontapé sofrido num jogo de futebol com jornalistas num parque de Londres - poderia ter sido travada a tempo, tivesse Marley aceitado mais cedo a ajuda da medicina ocidental, e não das tradicionais mezinhas dos curandeiros caribenhos...
Enfim, apenas um desabafo de alguém que lamenta que um artista tão dotado tenha partido tão cedo. De entre o mesmo assim vasto legado que nos deixou, três temas apelam-me especialmente: Three little birds, Redemption songTrenchtown rock.
Trenchtown é o bairro pobre de Kingston, capital da Jamaica, onde Marley viveu desde os 12 anos e onde fez as suas aprendizagens políticas, pessoais e musicais. (Hoje em dia, a zona foi recuperada, valendo-se do seu estatuto de "berço" do reggae, com roteiros para turistas, museus, associações culturais, estúdios, etc., tudo em grande parte devido à divulgação dada por Marley e os seus Wailers).
A minha versão favorita é a que abre o álbum Live at The Roxy, gravado ao vivo a 26 de Maio de 1976, no teatro Roxy, em Los Angeles. Exemplo supremo da época de ouro de Bob Marley, acompanhado pelos seus irrepreensíveis Wailers, Trenchtown rock agita-se e alonga-se como uma grande espreguiçadela numa rede numa tarde de Verão. Quanto ao conteúdo, fala das dificuldades da vida no ghetto, mas sempre de um ponto de vista positivo e de esperança. E, no que mais me atrai, fala da música, metafórica e poeticamente, numa tirada tão simples como verdadeira:

One good thing about music
When it hits you you feel no pain
So hit me with music... 


Nem mais, nem menos. Parafraseando o MC de serviço (Tony Garnett), que apresenta a banda no início do espectáculo: "Peace and love in the South. Well right now I would like to welcome you to the show as we bring to you what we call the rastaman vibration. And right about now I would like you to meet  and greet, all the way from Trenchtown Jamaica, the proverbial Bob Marley and the Wailin' Wailers! Come on!" E.M.


Trenchtown rock, Bob Marley & The Wailers (1976)


segunda-feira, 24 de agosto de 2015

OS RESENTIDOS


Espanha, hã? Tem que se admirar um país que, passados poucos anos do fim de uma ditadura feroz e duradoura, se conseguiu de certas formas livrar tão rapidamente de algumas correntes. Neste caso, como logo em 1986 um grupo vindo das periferias - Vigo, na Galiza, mesmo à portinha de Portugal - conseguiu invadir o resto das comunidades com um refrão tão singelo: Fai un sol de carallo. Claro que a canção ficou conhecida por esse mesmo refrão, mas o seu nome oficial era tão ou mais provocador: Galicia canibal.
Os Resentidos, sob a batuta de Antón Reixa (artista e intelectual muito para além da música), faziam nesses áureos tempos de 80 e 90 uma cacofónica, hilariante e cáustica mistura entre rock e folclore galego, ao mesmo tempo que criticavam as antigas bases católico-conservadoras do franquismo, reafirmavam a luta contra a força centrífuga da capital Madrid, e denunciavam certos imperadores que iam nus. Como a famosa Movida madrilena...
Então ouçam o começo de Galicia canibal: riffs de guitarra eléctrica distorcida, sinos de igreja, gaitas-de-foles e uma interrogação sarcástica: Con isto da movida? Qué movida? Brilhante, em qualquer tempo e em qualquer lugar. Passou bastante pelas ondas hertzianas mais discernidas deste lado da fronteira. E passa agora aqui no NascidoParaOuvir, com uma grande vénia a Reixa.  E.M. 


Os Resentidos, Galicia canibal (1986)









sábado, 22 de agosto de 2015

BURAKA... SEMPRE!

A notícia correu célere durante a semana que agora termina: os Buraka Som Sistema anunciaram que em 2016, após uma digressão nos primeiros meses, irão entrar em "paragem por tempo indeterminado". 
É uma má notícia, obviamente. Os Buraka são um dos mais interessantes projectos nacionais (musical, estética e sociologicamente) e, caso quase virgem mas totalmente merecido, com vasto reconhecimento internacional. 
Mas é curioso que não estou muito incomodado pela situação. Primeiro porque, como desde há uns anos se percebeu, não há grupo que não se volte a reunir, desde que os seus membros estejam vivos. Ou às vezes mesmo que nem estejam vivos...
Depois, porque a montanha de músicas e ideias que eles amontoaram e doaram ao público ao longo da última década serve para nos alimentarmos durante muito tempo. 
Por fim, porque os vários elementos do núcleo duro dos BSS já mostraram que têm a cabeça tão aberta que certamente continuarão connosco, em nome próprio ou em outros projectos e novos sons, nos próximos tempos. 
Por isso, não entremos em tristezas, celebremos sim a maravilhosa inteligência e batida dos Buraka. Por exemplo, com  Parede, do álbum Buraka (2014). Kuduro progressivo do melhor, e não só. "Encosta na parede!" Todos!... E.M.

Buraka Som Sistema, Parede (2014)

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Dúvida existencial 

#1 Quem realmente toca o saxofone em Estou além, de António Variações?

O primeiro single/máxi de António Variações, editado em 1982, foi mais uma grande e boa surpresa, mesmo numa época em que elas abundavam por terras musicais lusas. De um lado do vinil, uma versão eléctrico-cabaret de Povo que lavas no rio, clássico de Amália e da psique sebastianista nacional; do outro, um pedaço portentoso de pop contemporâneo que não só é um irresistível convite à dança (apesar do ritmo pouco convencional), como colocou sucessivas gerações a cantar "eu só estou bem aonde eu não estou / porque eu só quero ir aonde eu não vou". Aliás, creio ser um sentimento assaz positivo, que nos leva sempre a correr à procura de melhor, outras pessoas, outros locais, outras ideias e outros ideais.
Na gravação, tal como sucedeu com o álbum de estreia, Anjo da Guarda, onde o tema foi incluído, o cabeleireiro/cantor/compositor e letrista foi acompanhado pela nata dos músicos nacionais, nomeadamente os ligados aos GNR e Salada de Frutas. Mas há uma questão: os solos de saxofone são atribuídos a um tal de Chester Passarella, conta a lenda que um músico norte-americano de passagem por Lisboa. Dado que a imensa Internet apenas responde ao pedido de informações de Passarella com uma participação no álbum Água da Boca de Lara Li (efectivamente também de 1982), põe-se a questão: seria Chester Passarella efectivamente real, e nesse caso o que lhe terá acontecido? Se não, qual seria o músico nacional que se esconderia por trás desse pseudónimo? E saberá que ficou para sempre na memória dos portugueses, que acarinham esta canção como um hino? Questões sem grande importância no grande plano da existência, mas por que podemos passar de relance ao ouvir este maravilhoso Estou além. Dá-lhe, "Chester"! E António, já agora... E.M.


António Variações, Estou além (1982)
Com agradecimentos a Desafinações e outras canções via Youtube
  

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Patti Smith em Lisboa

Coliseu dos Recreios
Rua das Portas de Santo Antão, Lisboa 
21 de Setembro de 2015 (2.ª feira), 21h30 


Patti Smith esteve muito tempo sem vir a Portugal, agora parece estar cá sempre... Não me estou a queixar, que uma artista do seu nível é sempre bem-vinda. Dia 21 de Setembro volta ao Coliseu lisboeta para apresentar na íntegra o seu disco de estreia de 1975, Horses. Nada de novo, portanto, pois este é um formato de concerto que está a expandir-se para os nomes mais veteranos: a totalidade de um disco ícone no seu alinhamento, seguido de mais uns êxitos avulsos.
Patti, naquela sua tão particular junção de poesia beat e punk rock, não consegue dar um mau concerto. E algumas tangentes ao afinamento podem ser perdoadas a quem tem claramente inteligência, bondade e coragem. Pena foi que ela, representante da emancipação feminina, no alto das suas contradições tenha praticamente deixado de aparecer em público nos anos 80 e 90, "fechada" em casa a cuidar dos filhos e do marido, o ex-guitarrista dos MC 5 e Stooges Fred "Sonic" Smith. Mas ele morreu, os filhos cresceram, e ela aí está em grande actividade nos últimos tempos. Vem a Lisboa acompanhada pela sua Patti Smith Group, com o genial guitarrista Lenny Kaye e o baterista Jay Dee Daugherty, que a acompanharam na gravação de Horses e são importantíssimos na definição das suas coordenadas estéticas ao vivo e em disco.  
Apesar de tudo, na sua reclusão teve tempo para lançar em 1988 o álbum Dream of life, cujo farol era People have the power. A produção à anos 80 não é das mais apelativas, mas a melodia e o chamamento à união dos povos são inquebrantáveis - se bem que, passado mais de um quarto de século, temos a clara noção que o povo actualmente pode ter tudo, mas não tem a força ou o poder. 
E quão lamentável é esta canção de mensagem simples e positiva ser boicotada em programas de rádio e TV dos Estados Unidos devido ao seu conteúdo "comunista" e "anti-americano"? "Ass holes", como diria, e muito bem, Patti Smith.
Dia 21 este deve ser um dos temas abordados pela barda americana. Quem puder que aproveite, pois eu, em princípio, não poderei lá estar, devido a compromissos profissionais. E.M. 




Patti Smith, People have the power (1988)





domingo, 16 de agosto de 2015

SUZANNE VEGA   CRACKING

A frase que surge após o cabeçalho deste blogue - It's a one time thing / It just happens a lot - pertence a este tema: Cracking, com que a cantautora norte-americana Suzanne Vega abriu o seu álbum de estreia, homónimo, em 1985. 
Sem rodeios: é um tema lindo de morrer, de uma simplicidade sonora que quase obnubila a riqueza da letra. Em menos de três minutos a jovem nova-iorquina mostrava ao que vinha. Recuperar a tradição folk e lírica do Nordeste, tão maltratada pelas novas esquadrilhas de jovens punks e new wavers. E consegue-o com brilhantismo, com controlo sobre o seu disco, sobre a sua voz. Ouça-se como a métrica é cortada milimetricamente, e como o gelo da voz se derrete imediatamente sob a superfície do lago gelado.
A frase foi por mim escolhida porque me parece uma metáfora perfeita para a minha abordagem à música e às artes em geral. Ou seja, sempre que ouço uma canção é uma ocasião única e irrepetível, mas que está sempre a acontecer com canções diferentes, logo a vida de ouvidor é uma sucessão de momentos maravilhosos e irrepetíveis. Mesmo que canção seja exactamente a mesma, nós e o que nos rodeia já não somos... E.M.



Suzanne Vega, Cracking (1985) 





It's a one time thing
It just happens a lot
Walk with me and we will see
What we have got


My footsteps are ticking
Like water dripping from a tree
Walking a hairline
And stepping very carefully


My heart is broken
It's worn out at the knees
Hearing muffled, seeing blind
Soon it will hit the deep freeze


And something is cracking
I don't know where
Ice on the sidewalk
Brittle branches in the air


The sun is blinding
Dizzy golden, dancing green
Through the park in the afternoon
Wondering where the hell I have been?



sexta-feira, 14 de agosto de 2015

ATENÇÃO: PIROSIDADE À FRENTE

#2 Tom Jones, Delilah (1968) 

Ah, já não se fazem canções destas. E se calhar ainda bem, pois é percorrida por um perigoso sopro de misoginismo... 
Bem, vamos aos factos: Delilah foi escrita por Barry Mason e Sylvan Whittingham (letra) e Les Reed (música). No ano da graça de 1968, Tom Jones, o galês dono de um vozeirão de se lhe tirar o chapéu, fez a versão original que lhe trouxe fama e proveito. Originalmente uma balada, o arranjo para Jones avançou com cordas e sopros e percussão e um ar geral de falso mariachi, que afinal se adapta perfeitamente ao tema, uma história de faca e alguidar sobre um homem que vê a sua amada a traí-lo com outro homem e, louco de ciúmes, a mata, antes de se barricar atrás da porta até a polícia vir para a arrombar e levá-lo preso.
Um mimo de politicamente incorrecto, portanto, que, creio, nos dias que correm teria bastantes dificuldades em ser editado, quanto mais promovido até ao sucesso global. Tom Jones, por esses anos no auge do seu poder vocal, arrasa: note-se no arrastar ameaçador de "she stood there laughing / I felt the knife in my hand and she laughed no more". A melodia do refrão é simplesmente contagiante, e extremamente adaptável, razão por que é cantada desde cubículos de escritório até estádios de futebol, com as obrigatórias alterações de letra. Experimente-se, por exemplo, cantar em português: "Por quê, por quê, por quê, Dalila". Impagável. E.M.


Tom Jones, Delilah (1968)



quinta-feira, 13 de agosto de 2015

ALEGRIA! ALEGRIA!

Alegria é, num dia de Verão, sair à rua, colocar os auscultadores nos ouvidos, ligar o rádio na Nostalgia (estação que merecerá post próprio em breve), e ouvir os primeiros acordes de Alegria, essa maravilha composta por Pedro Ayres Magalhães e editada pelos Heróis do Mar em 1985. Combinaçãozinha perfeita entre pop e rock, Alegria vive de uma saltitona linha de baixo típica de Pedro Ayres Magalhães bem colada à batida, aqui especialmente forte e puxada para a frente no mix, de António José de Almeida. É um tema grande, que se alonga na intro, passa depois para os lá-lá-lás, e só depois entra a letra, curtinha mas incisiva: "Não há ninguém capaz de me dar alegria / Não há ninguém capaz de me dar o que eu queria / Alegria, alegria." Ironia ainda maior, um tema tão alegre e soalheiro, perfeito para se ouvir sob o céu azul de Lisboa, é na realidade uma sardónica resposta às relações difíceis da banda com a editora Polygram, e que levariam à próxima saída para a EMI, onde editariam em 1986 o álbum de regresso (em todos os sentidos), Macau. Basicamente, de um lado, a editora, queriam mais Amor e Paixão (os singles de sucesso, se bem que os sentimentos também não ficariam mal), do outro, a banda, com o desejo de investir por outras sendas artísticas, que os Heróis nunca foram de se repetir. Longa vida à excelência da música portuguesa em 45 rotações! E.M.


Alegria, Heróis do Mar (1985)




terça-feira, 11 de agosto de 2015

OSWALDO MONTENEGRO   A LISTA

Oswaldo Montenegro (nascido em 1956) é em Portugal um quase completo desconhecido, mas no seu Brasil natal é um muito amado trovador. Com as suas barbas brancas, voz penetrante e canções, por si compostas, de uma inteligência e de uma sensibilidades profundas, continua sem esmorecer uma carreira não muito exuberante mas reconhecida por público e pelos seus pares. 
Como carta de apresentação, o meu primeiro instinto seria enveredar por Incompatibilidade, do álbum de 1980, que é uma miniopereta filosófica sobre a oposição entre os desejos do corpo e as exigências éticas da mente. Mas como sou ser muito dedicado quer às amizades e ao seu valor, quer à instabilidade do tempo que nos foge, decidi colocar A lista. Que é isso mesmo que diz o título: e se nos atrevêssemos a fazer uma lista dos amigos e dos sonhos que tínhamos há uma década? Quantos ainda manteríamos? Senhoras e senhores, Oswaldo Montenegro a colocar a beleza e a tristeza em cima da mesma fina lâmina. E.M.     


Oswaldo Montenegro, A lista (1999)


Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais...

Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar...

Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria
Quantos amigos você jogou fora?

Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber?

Quantas mentiras você condenava?
Quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você?

Quantas canções que você não cantava
Hoje assovia pra sobreviver?
Quantas pessoas que você amava
Hoje acredita que amam você?

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

RÁDIO: ÁFRICA ELÉCTRICA  

À uma da manhã, nas madrugadas de segunda para terça-feira, a RDP África passa um programa, da responsabilidade de Rui Miguel Abreu, que, sob o singelo nome de 
África Eléctrica, esconde todo um mundo de atenção ao imenso caldeirão de preciosidades que estão à espera de ser descobertas sob o céu sonoro do continente que nos bordeja a sul e que é o nosso norte musical. A definição que surge no site da RTP é acertada: essencialmente viaja-se no tempo até aos anos 70 e arredores, no afrobeat e afrofunk, psicadelismo e high life. As melhores reedições das editoras actuais especialistas nestes nichos de mercado são destaques naturais, mas também se ouve produção dos dias de hoje. Para quem se se interessa pela música africana, e apesar do horário, é um programa indispensável, e de um nível bem acima de uma certa mediania familiar que impera no geral do canal público de rádio dedicado a África.
Para ilustrar, fica um pedaço de high life, estilo de música que atravessou o século XX na África Ocidental, nomeadamente Gana e Nigéria. Deste último, escolhemos Greedy man, dos Ikenga Super Stars, algures na primeira metade da década de 1970. E.M.


IKENGA SUPER STARS, Greedy man


domingo, 9 de agosto de 2015

Márcia, Cabra-cega

Sensivelmente desde meados da década de 2000, as melhores surpresas na música portuguesa vêm não da área do rock mas sim de uma área que se encontra na confluência entre a música popular (fado, folclore), os cantautores e as raízes africanas. Com isto quero dizer os projecto Humanos, a Deolinda, os Diabo na Cruz, Buraka Som Sistema... E Márcia, que hoje trazemos à colação. Chegou ao mundo da música profissional já "avançada" na idade, e proveniente das artes plásticas. Mas chegou com o pacote completo, se me é permitida a expressão. Um mundo conceptual interior bem definido, uma voz límpida e imediatamente reconhecível, uma boa capacidade de composição e ideias delineadas do que queria colocar em disco.
O álbum de estreia, (2011), rodava forte na Antena 3 com este Cabra-cega, que mostra à saciedade estes atributos. Excelência na evolução da canção, grande melodia, palavras enlevantes - "e olha quem tem fome de sinceridade / ao menos não te dei a volta". Os discos seguintes (Casulo e Quarto Crescente) confirmaram tudo o que apresentava, e uma certa timidez não lhe retirou o brilho nas actuações ao vivo - lembro-me, por exemplo, da primeira parte de Suzanne Vega nos Jardins do Marquês de Pombal no Cool Jazz Fest de 2014.
Uma delicadeza e uma determinação que manteremos debaixo do ouvido. E.M.

Márcia, Cabra-cega (2011)



quarta-feira, 5 de agosto de 2015

AMY

Acabadinho de ver no Monumental (onde mais poderia ser?!...) o documentário Amy, de Asif Kapadia sobre Amy Winehouse, a cantora e compositora inglesa desaparecida a 23 de Julho de 2011.
Mais um excelente documentário musical neste 2015, há que dizê-lo. O realizador opta também pela não utilização de voz off guia ou imagens de entrevistas específicas para este projecto, baseando-se única e exclusivamente em imagens e, especialmente, sons retirados de uma vida curta mas com a última década obsessivamente gravada pelos seus próximos ou distantes (telemóveis, televisões, rádio...). Através de Amy e dos que a rodeavam (familiares, amigas, managers, responsáveis de editoras, colegas de profissão, guarda-costas, médicos) ficamos com a história de uma mulher de um talento imenso, mas com fraquezas fatais, desde logo a péssima escolha de homens na sua vida: desde o pai que a abandonou cedo mas que voltou depois para a explorar e que ela ainda assim venerava, ao segundo manager que só a queria pôr na estrada, e ao pedaço de esterco que foi o seu marido, que basicamente a utilizou como cofre para comprar drogas.
É verdade que não podemos ter todas as qualidades, mas é uma imensa pena que Amy não vislumbrasse pessoas boas mas duras que a orientassem, principalmente quando o êxito pós-Back to Black a engolfou, fazendo-a perder de vista o que afinal queria: cantar jazz em salas pequenas e poder ir com amigos beber uma cerveja no pub do bairro. Só isso justifica que tenha continuado a viver em Camden (uma espécie de Bairro Alto/Santos de Londres), quando podia perfeitamente ter-se escondido em qualquer herdade retirada.
Dando uma boa imagem global do que foi uma vida curta, Amy deixa-me a querer lembrar a jovem de voz rebelde e de musa de inglês do século XXI, e não o destroço de junkie cheia de mazelas a mal se aguentar em palco, que afinal é a imagem que os media quiseram destacar. Basta fazer a comparação entre o tratamento de rainha que os talk shows das networks norte-americanas lhe dispensavam em 2006/2007 e as piadas nojentas que os mesmos apresentadores faziam anos mais tarde.
Um imenso desperdício de criatividade. Ainda bem que nos deixou dois grandes discos (esqueçamos misericordiosamente o póstumo Lioness: Hidden treasures).
E.M. 

Amy Winehouse, Back to Black (2006)  

terça-feira, 4 de agosto de 2015

SUPERTRAMP CANCELAM CONCERTOS

Segundo comunicado da promotora Everything Is New, os Supertramp cancelaram todas as datas da digressão europeia, onde se incluía o concerto em Lisboa a 4 de Dezembro. A razão é a doença do teclista e vocalista Rick Davies, a quem foi diagnosticado mieloma múltiplo, uma forma de cancro com origem na medula óssea. Dada a agressividade desta doença, poderá muito bem ter desaparecido a última hipótese de ver o veterano grupo ao vivo. A não ser que o outro mentor e fundador, Roger Hodgson, que saiu dos Tramp em 1983 para uma discreta carreira a solo, pegue no testemunho.
Obviamente que se deseja todas as melhoras a Davies, mas não consigo resistir a lembrar as palavras do grande Fernando Magalhães, jornalista e crítico musical do Público falecido prematuramente. Dizia ele, e com razão, que era espantoso como Rick Davies, em trinta anos de carreira, não tinha evoluído nada, nada na técnica de tocar piano eléctrico... E.M.  




sábado, 1 de agosto de 2015

CAETANO VELOSO + GILBERTO GIL

Caetano Veloso e Gilberto Gil
Cool Jazz Fest
Estádio do Parque dos Poetas, Oeiras
31 de Julho de 2015 (sexta-feira), 21h30


Concertaço numa noite ventosa em Santo Amaro de Oeiras - como "explicaram" a Caetano Veloso e Gilberto Gil no pequeno intervalo antes do encore, pois os dois monstros sagrados da MPB e da arte brasileira em geral tinham antes instigado os presentes no Parque dos Poetas com "Lisboa!!!"...
Já bem para lá dos 70 anos, mano Caetano e o ex-ministro da Cultura do Brasil, sós em palco com os seus dois violões, conseguiram algo raro: agarrar uma multidão com um alinhamento quase esvaziado de êxitos. O que contou foi a qualidade dos seus catálogos, a forma como ainda cantam e tocam, a simbiose entre dois velhos amigos, a intimidade e a celebração como vectores universais. Uma hora e três quartos de espectáculo passaram a correr, quando se ouviam, por exemplo, a portentosa interpretação de Gil em Não tenho medo da morte, só voz batida pela vida e a batida das mãos na viola, ou belíssima balada de harmonia entre sexos Super-Homem, a Canção. Do lado de Caetano, realce para a dupla juntinha, Sampa e Terra, ambas declarações de amor a locais. 
O Estádio do Parque dos Poetas estava quase cheio, a usual mescla de gerações face a artistas de longa carreira, e o ambiente foi mais lânguido e descontraído do que de dança - afinal, a maior parte dos espectadores estava sentada. Boa relação preço de bilhete-qualidade, se bem que não se possa deixar de referir dois pontos negativos: o rufar do vento que por vezes se fazia sentir (creio) nos microfones, num som de resto de boa qualidade, e a péssima e potencialmente perigosíssima gestão de espaços. Quer isto dizer que muitos milhares de pessoas tiveram que sair por apenas, ao que vislumbrei, duas saídas estreitas. Eu próprio estive fechado em passo de caracol no meio de multidão compacta (parte num corredor subterrâneo) durante cerca de 20 minutos. Inadmissível, para mais numa iniciativa com os anos que o Cool Jazz já leva. A rever.
Quanto a Caetano e Gil, ficaram ainda mais no nosso coração. Voltem sempre, enquanto puderem. E.M.