It's a one time thing
It just happens a lot

Suzanne Vega

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Natalie Merchant, I may know the word

Após abandonar os 10000 Maniacs (já tocaram aqui), de que era letrista, compositora e vocalista, Natalie Merchant  lançou em 1995 o seu primeiro álbum a solo, Tigerlily. Face ao trabalho com a banda, direccionou aqui as letras mais para o intimismo emocional do que para a análise política e social, e sonoramente orientou-se para um pop elegantíssimo com toques de jazz. Estas directrizes podem ser comprovadas neste longuíssimo, brilhantíssimo e intimíssimo I may know the word. Mais tarde, e provavelmente devido a não ter quem lhe fizesse um controlo de qualidade (é para isso que se tem os companheiros de banda...), a sua produção decresceu de interesse. Mas este Tigerlily é uma obra consistente e cuja audição é um bálsamo para os ouvidos e para a alma. E.M. 


Natalie Merchant, I may know the word (1995)


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Dexys Midnight Runners
There, there, my dear


Ah, ser adolescente e poder ouvir pela primeira vez Searching for the Young Soul Rebels, o álbum com que Kevin Rowland estreou os seus Dexys Midnight Runners. Um álbum como o grupo, e como próprio Rowland: forte, melódico, intenso, directo mas subtil, empenhado social e politicamente. Recupera a soul mais rica dos anos 60, como, por exemplo, da editora Stax/Volt. Junte-se-lhe uns pozinhos do rock inglês e a inquietação de um irlandês de classe operária em Inglaterra, e temos um clássico. Podia ter escolhido praticamente qualquer um dos onze temas, mas confesso que tenho uma predilecção pelo que está no finalzinho. Chama-se There, there, my dear, e é uma pérola. Quase uma marcha, com uma belíssima linha de baixo mesmo muito grave, os sopros sempre a riffarem por trás. E Kevin Rowland totalmente possuído pela raiva, questionando o receptor, um tal de Robin, sobre como pode ele, num mundo repleto de grandes escritores, pensadores, músicos, dramaturgos... como é que ele consegue realmente gostar de Frank Sinatra!?... Soul com alma, contra a mediocridade e a complacência. E.M. 

Dexys Midnight Runners, There, there, my dear (1980)

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

HERMAN JOSÉ - NÃO DESCALCES OS SAPATOS

Finalmente! Dos nevoeiros da minha infância, lembrava-me de ouvir na rádio (ou ver na televisão?) o grande Herman José, então a iniciar os seus anos dourados, a cantar uma canção cujo insólito refrão andava à volta de "não descalces os sapatos". Mas como começaram a passar os anos, nunca mais a ouvia em lado algum, e mais ninguém se lembrava dela, cheguei a pensar que teria sido um sonho. Mas não. A editora que detém os direitos dos temas de Herman José na passagem dos anos 70 para os 80 colocou recentemente no Youtube estas raridades - podem também dar uma olhadela ao "Cóboi da Reboleira"! -, e agora todo o Mundo, e arredores, pode ouvir este hilariante fado-canção, de um surrealismo sem concessões. E o refrão fica dentro da moleirinha como um insecto da Matrix dentro de Keanu Reeves. Não sei quem escreveu a letra (desconfio que seja do grande Carlos Paião), mas reparem só nesta pérola:

É um fado rebuscado
Mastigado, vomitado
Ruminado e digerido
Uma obra conseguida
Tão sofrida, tão espremida

Tão fazida sem sentido

Glorioso E.M.



Herman José, Não descalces os sapatos (finais de anos 70/inícios dos 80?) 





domingo, 18 de outubro de 2015

PRIMAL SCREAM

Após sair dos The Jesus and Mary Chain, Bobby Gillespie fundou os Primal Scream, já abordados aqui, que se tornaram uma instituição musical escocesa. Mas como já dizia o outro, a única constante na sua carreira, a nível estético, foi a mudança. Nos primeiros anos, beberam no psicadelismo byrdsiano. O single de estreia, Velocity girl, é de uma leveza tal que quase parece evaporar-se. Minúsculo em termos de tempo e com um belíssimo entrançado de guitarras, é uma das principais recordações do que se convencionou chamar C86, uma série de bandas que o jornal musical britânico NME - New Musical Express  juntou numa cassete de oferta nesse ano de 86, e que tinham nas guitarras e no power pop os seus pontos de união - por exemplo, os Soup Dragons e os Wedding Present. E.M. 


Primal Scream, Velocity girl (1986)

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Pedro Abrunhosa, Viagens

Passei a primeira metade de 1994 fora de Portugal, e quase sem contactos com o cantinho à beira-mar plantado. Eis pois qual não é a minha surpresa quando chego no Verão e não consigo abrir a rádio sem ouvir Não posso mais, Socorro, É preciso ter calma e, mais tarde, Tudo o que eu te dou. Um fenómeno, e que, como se viu, veio para ficar.
Independentemente das suas fraquezas vocais, não se pode retirar valor ao que Abrunhosa fez: já com uma idade "provecta", saiu do gueto do jazz e tornou-se um nome nacional com uma bela mistura de jazz, funk, swing, hip hop e rock. Uma produção cuidada, colaborações escolhidas a dedo (Maceo Parker, Norman Cook) e o pulso firmemente posto no que então se dirigia para as discotecas internacionais fizeram de Viagens, o álbum, um marco. Ao que parece, vendeu 250 mil exemplares. Num país de 10 milhões de habitantes, façam as contas.
Num disco praticamente sem pontos fracos, a minha predilecção vai variando com os tempos, mas onde regresso mais é a Viagens, o tema-título. Balada longuíssima e languidíssima, remete para um lounge elegante e quente, através do belíssimo saxofone e das percussões. E se por vezes as suas letras eram perigosamente dependentes do dicionário básico de rimas, muitas vezes conseguiam reflectir o ambiente pretendido. Neste caso, "viagens sem princípio nem fim, beijos entregues ao vento, e amor em mares de cetim". Música intemporal. E.M.  


Pedro Abrunhosa, Viagens (1994)



domingo, 11 de outubro de 2015

Pequena dor, Imenso génio de Tê


Rui Veloso a cantar uma letra de Carlos Tê, que é um dos poucos génios vivos da música nacional. Com as palavras do português de todos os nossos dias faz letras únicas, ímpares, universais. Que país este, em que um artista deste calibre teve que passar grande parte da sua vida de adulto a trabalhar num banco... Pequena dor surgiu pela primeira vez no álbum Cabeças no Ar, projecto efémero de Veloso, Tim, Jorge Palma e João Gil (ou seja, os Rio Grande menos Vitorino) e Tê, mais tarde passado a musical. Junto também a versão de Luísa Sobral no segundo volume da colectânea acústica Voz e Guitarra (2013) - a mesma intimidade semienvergonhada, agora em perspectiva feminina. E por fim a letra, merecidamente. E.M. 


Rui Veloso/Cabeças no Ar, Pequena dor (2002)

Luísa Sobral, Pequena dor (2013)

PEQUENA DOR

A tua pequena dor 
quase nem sequer te dói.
É só um ligeiro ardor 
que não mata 
mas que mói.

É uma dor pequenina
quase como se não fosse.
É como a tangerina
tem um sumo agridoce.

De onde vem essa dor
se a causa não se vê
se não é por desamor
então é uma dor de quê.

Não exponhas essa dor. 
É preciosa, é só tua
não a mostres tem pudor
 é um lado oculto da Lua.

Não é vício nem costume
deve ser inquietação. 
Não há nada que a arrume 
dentro do teu coração.

Talvez seja a dor de ser
só a sente quem a tem
ou será a dor de ver 
a dor de ir mais além.

Certo é ser a dor de quem 
não se dá por satisfeito.
Não a mates, guarda-a bem
guardada no fundo do peito.


sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O FAZER FALSO 

O FAZER FALSO
Exposição colectiva com curadoria de Miguel von Hafe Pérez
Com: Ana Catarina Fragoso, António Olaio, Fernando José Pereira, Guillaume Vieira, José Almeida Pereira, Luís Alegre, Marta Alvim, Miguel Palma e Pedro dos Reis
Espaço AZ
Travessa da Fábr
ica dos Pentes, 10, LISBOA 
De 8 a 24 de Outubro


Colectiva de artes plásticas no espaço subterrâneo ali às Amoreiras, numa transversal à Fundação Vieira da Silva. O "cabeça-de cartaz" é Miguel Palma, que surge com duas construções e quatro colagens sobre papel que continuam a sua preocupação com a relação entre o corpo humano a máquina, nomeadamente a automóvel. Outro "veterano", António Olaio, com uma bem conseguida extracção da sua série "Square feet", aqui dividida entre quatro óleos no piso -1 e o correspondente vídeo em loop no -2. Excelentes as apropriações de José Almeida Pereira, recuperando e fantasmando quadros de Courbet e Vermeer. Por fim, a seguir com atenção Ana Catarina Fragoso, com uma ambiciosa instalação de "livros" em acrílico a reflectir sobre a impossibilidade de a imagem ser a realidade e de os guias nos levarem aos lugares físicos. E.M.



Pedro dos Reis, Résistance (impressão sobre papel, 2011) 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Chiclete, de cá e de lá do Atlântico

Essa galáxia que é a música brasileira esteve numa determinada altura alinhada com a congénere portuguesa. Foi na primeira metade dos anos 90, quando ambos os países tinham recentemente saído de ditaduras (Portugal) ou em período de estertor das estruturas de repressão (Brasil). Assim, abriram-se repentinamente ao que o vasto mundo exterior tinha para lhes oferecer - o que, neste caso específico, era a pop electrónica, o punk/new wave e o ska. Curiosamente, duas dessas bandas acabaram por ter um grande êxito com o mesmo título. Primeiro os portuense Táxi, cujo álbum de estreia homónimo de 1981 abria com Chiclete - que qualquer português com dois (ou um...) ouvidos conhece. Um pedaço de ska que cá era então novidade quase absoluta.  
Já os Ultraje a Rigor - grande nome, senhores -, então como agora liderados por essa personagem fabulosa que é Roger Moreira, lançaram em 1989 O Chiclete, um tema hilariante de pop-punk, primo em espírito de uns Censurados ou Peste e Sida na agitação social. Com uma letra absurda na senda dos nacionais Enapá 2000 (aliás, e noutra coincidência, os Ultraje a Rigor mais tarde fizeram uma música intitulada Marylou...), O Chiclete são três minutos de resolutos riffs de guitarra e baixo e um insistência em "bum-bum-bum-bundão", terminando com solos vocais dos quatro então elementos a apresentarem-se uns aos outros. Delicioso. E.M. 


Ultraje a rigor, O chiclete (Brasil, 1989)



Táxi, Chiclete (Portugal, 1981)


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Gabriel, o profeta em dia de ressaca

Face aos resultados das eleições legislativas de ontem, a palavra de ordem só pode ser "resistência". Para um soco nos estômagos e nas consciências, revemos um dos intemporais ataques verbais de Gabriel o Pensador, brasileiro global. Façam o favorzinho de fazer a transposição das favelas das zonas tropicais para os subúrbios de Lisboa. Até quando, senhores, até quando vamos aguentar? E.M.   

"O MEDO É UMA FORMA DE CENSURA!"


Até quando, Gabriel O Pensador (2001)


sábado, 3 de outubro de 2015

Onde é que eu já ouvi isto?
Start, The Jam  contra  Taxman, The Beatles

Dizem que o plágio é a melhor forma de lisonja. E já que se copia, então que seja dos melhores. E que melhor se pode querer do que os Beatles na sua fase imperial (1965-1966)? 
Taxman é o tema de abertura de Revolver, do álbum de 1966 dos Fab Four de Liverpool. Foi a primeira vez que um LP dos Beatles se iniciava com um tema não composto pela dupla Lennon/McCartney. E o tema de George Harrison foi o primeiro claramente político dos Beatles, atacando o governo britânico pelas suas decisões fiscais - o guitarrista soubera pouco tempo antes que a esmagadora maioria dos seus ganhos iam para o Tesouro via impostos, com taxas altíssimas para os "ricos".
Musicalmente, e no que nos interessa, Paul McCartney aplica ao seu baixo uma qualidade percussiva muito reminiscente dos especialistas dos êxitos da Motown. Curiosamente, e segundo os dados disponíveis, a série de pequenos solos incisivos de guitarra eléctrica são também de McCartney - Harrison ficou com a guitarra ritmo. O tom geral é um pouco surreal, com o refrão "'cause I'm the taxman" e os truques de produção de George Martin - este é também o primeiro álbum dos Beatles em que o dito estúdio (de Abbey Road) foi utilizado como um "instrumento" repleto de possibilidades e não apenas como uma máquina de gravação.
Chegados a  1980, os The Jam, um trio de mod rock/new wave, de carreira curta mas recheada de êxitos, liderado por Paul Weller, também adorador dos sons negros dos anos 60, copiaram, quase na íntegra, "Taxman", alterando apenas as letras e limpando o som - dando o nome de "Start!". E o refrão pode-se considerar uma resposta atrasada mas coerente com os tempos thatcherianos que se iniciavam: "and what you give is what you get" .
Nos dias de hoje, em que até uma simples inspiração não-musical pode levar a processo de plágio e perda de muitos milhões de dólares (rever Robin Thicke), é bom reouvir artistas que se alimentavam uns aos outros sem ressentimentos, dando origem a qualidade a dobrar. Ficam as duas aqui em baixo, para exercício de comparação. E.M. 



The Beatles, Taxman (1966)




The Jam, Start (1980)





quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Uma "pedra" de canção

#2 Marilyn Manson, I don't like the drugs (but the drugs like me) (1999)


Tal como a primeira desta série (Lit up, dos Buckcherry), I don't like the drugs (but the drugs like me) é da colheita de 1999. Fim do século, fim do milénio, a grande desbunda antes do terror, blá, blá, blá. Marilyn Manson, esse 'ganda maluco' que se especializou em escandalizar a América profunda - também não é preciso muito, diga-se em abono da verdade -, lançou o álbum Mechanical Animals, uma série de vinhetas metal-glam decadentes sobre a habitual cloaca humana, drogas, sexo, religião. E uma delas é esta hilariante I don't like the drugs (but the drugs like me). Só o nome é já todo um programa, para além de um belo subentendido. O vídeo, com a procissão de imagens televiso-grotescas-demoníacas em tons de sépia, consegue passar tanto pelos terrenos do exagero que acaba no ridículo, o que acaba por dar vontade de rir. E é sempre refrescante ouvir alguém a assumir as suas fragilidades. Respeito para quem se sai com uma frase como "fifteen minutes of shame", numa pérola de desconstrução warholiana. E.M.  

Marilyn Manson, I don't like the drugs (but the drugs like me) (1999)