It's a one time thing
It just happens a lot

Suzanne Vega

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

LAURIE ANDERSON Heart of a dog

Cinema Nimas
Avenida 5 de Outubro, 42 LISBOA
Sessões às 13h45, 15h45, 17h45, 19h45 e 21h45



Magistral filme de Laurie Anderson.
Parte documentário, parte diário, parte ensaio, parte ficção, parte memórias.
Os temas são aqueles que lhe são mais queridos: os sonhos, a consciência, as tragédias, a vigilância, as novas tecnologias. O espaço entre o momento que acabou de passar e o que está exactamente para chegar.
As imagens e a sua voz-off e a sua banda sonora revelam a arte de muitos anos dedicados a um objectivo único através de múltiplos suportes. Cada inflexão de voz, cada sílaba projectada no ecrã, são vestígios de uma carrreira em que a(s) linguagem(ns) é um vírus que tem que ser abraçado para ser domado. 
Não é um filme fácil, por momentos chega a ser opressivo na lentidão das imagens, no negrume (quase não se vê um grão de sol), no gelo. Mas é um filme importante, e que vem provavelmente desencadear o início do fim de uma artista que caminha para os setenta anos - Heart of a dog é acima de tudo uma reflexão sobre a morte. A de Lolabelle, sua cadela, e de Lou Reed, o seu companheiro de duas décadas a quem o filme é dedicado, e que apenas surge em duas breves imagens. E.M.


Laurie Anderson, Heart of a dog (trailer), (2015)


domingo, 27 de dezembro de 2015

LLOYD COLE AND THE COMMOTIONS

Collected Recordings 1983-1989

Directamente do trenó do Pai Natal, uma das belas prendas de 2015: a caixa que recolhe praticamente tudo o que Lloyd Cole e os seus Commotions gravaram numa curta mas valiosíssima carreira. Estão presentes os três álbuns de originais (Rattlesnakes, de 1984, Easy Pieces, de 85, e Mainstream, de 87), mais um CD com demos e raridades, outro com os lados B, e um DVD com a totalidade dos videoclipes e aparições em programas de televisão. 



Para além disso, o booklet (de irrepreensível concepção gráfica) apresenta um longo texto do jornalista Pete Paphides que relata, com contribuições de todos os intervenientes directos, a carreira da banda.

Alguns apontamentos avulsos:
- Rattlesnakes continua a soar tão fresco como em 1984. De um disco repleto, exploro o tema-título, Speedboat, Down on Mission Street e Charlotte Street (que surge também nas raridades numa versão anterior muito diferente com o nome de Eat my words). Nota muito alta para os arranjos de cordas de Anne Dudley, que já espalhara a sua magia por The Lexicon of Love dos ABC e Welcome to the Pleasure Dome dos Frankie Goes to Hollywood.   
- O "difícil" segundo disco, Easy Pieces, continua a ser mal-amado pelos seus criadores, que por um lado não gostam do trabalho dos produtores Alan Winstanley e Clive Langer, indigitados pela produtora para levar os Commotions ao nível de outros seus púpilos como os Madness... e por outro reconhecem que a ideia definida do que estavam a fazer sonoramente e conceptualmente começava a apresentar falhas. Para mim, e face a um disco que é difícil de adquirir em CD, é uma alegria imensa poder ouvir Rich, Grace ou Minor character, que não é, nem de perto nem de longe, tão fraco como Cole afirma. Soa um bocadinho datado, mas nada que esbata a elevada qualidade global.
- O problema agrava-se, sim, com o terceiro e derradeiro Mainstream. Se em Portugal My bag, Jennifer she said e From the hip foram adoradas, tal não aconteceu no resto do globo. A veia descritiva de Cole, admirador confesso dos States e da melhor literatura mundial, começava a ter dificuldades em lidar com o cocainómano mundo das editoras na segunda metade dos anos 80, e o disco aponta para várias direcções mas nenhuma suficientemente explorada por uma produção clinicamente limpa de Ian Stanley, a aproveitar a onda do êxito Everybody wants to rule the world (que produzira e co-compusera para os Tears for Fears). 
- O baixista Lawrence Donegan, que tinha sido corrido dos Bluebells por ser fraco instrumentista, foi o único Commotion a levar socos e/ou pontapés dos outros quatro. Mais tarde tornou-se jornalista especialista em golfe.
- O baterista Stephen Irvine esteve a um passo de integrar os The Clash quando estes despediram Topper Headon. E.M
         
Lloyd Cole and The Commotions, Grace (1985)
     



terça-feira, 22 de dezembro de 2015

QUEM DISSE? #4

Ela vai ser mais famosa que a Madonna. A Madonna é uma moda passageira.

Quem o disse, numa entrevista dada à estampa em 1985, foram os The Waves: Kimberley Rew, Vince de La Cruz e Alex Cooper. Quem? Bem, é melhor explicar quem é a ela da frase: Katrina (Leskanich). Exacto, os Katrina and the Waves famosos por Walking on sunshine.
Nessa entrevista, os três membros masculinos da banda não pareciam ter dúvidas de que a sua vocalista iria ser uma megaestrela e que iria deixar na poeira da memória a tal de Louise Ciccone. Poderiam estar mais enganados? À primeira vista não, pois, para além de Walking on sunshine, apenas registaram no "sucessómetro" a representação do Reino Unido no Festival da Eurovisão em 1997 com a balada gospel Shine a light. Já de Madonna escorreram mais êxitos do que o creme num folhado quente. Mas...
Mas se quisermos especular um pouco... A verdade é que, quanto mais batidas nas rádios nostálgicas, mais se vai instalando um cansaço profundo com a maioria das canções de Madonna, mostrando à exaustão o pequenez e ridículo de coisas como La isla bonita.
Walking on sunshine continua imparável, sempre eléctrico e boa onda. E a fazer ganhar dinheiro a rodos à banda (o tema foi escrito pelo guitarrista Kimberley Rew, mas parece que as verbas dos royalties são divididas pelos quatro), qualquer coisa como um milhão de dólares por ano, desde os devidos à passagem na rádio como à utilização em publicidade.
Seria irónico se a frase dos rapazes, que nos pareceria tão ridícula, acabasse daqui a alguns anos por se revelar acertada, quando Madonna fosse atirada para a sarjeta da História e das operações plásticas e a nossa Katrina continuasse imperial com o seu êxito eterno. Já vi coisas mais estranhas... E.M.  


Walking on sunshine, Katrina and the Waves (1985) 



sábado, 19 de dezembro de 2015

THE BONZO DOG DOO-DA BAND
THE INTRO AND THE OUTRO

A Bonzo Dog Doo-Da Band, como o próprio nome já indica, é uma banda humorística. Activa essencialmente na segunda metade dos anos 60, foi companheira de geração e de ideais dos Beatles e dos Monty Python: por exemplo, Paul McCartney produziu, Neil Innes (teclista) compôs com Eric Idle dos Python, e actuou com eles ao vivo. Com a troupe dos Monty partilhavam o "background" universitário, com os quatro de Liverpool os gostos musicais, que passavam pelo vaudeville e o musical, a que acrescentavam o jazz e, mais tarde, o rock.  
No álbum de estreia, Gorillas (1967), aparece este surpreendente The intro and the outro, que é exactamente isso: ao longo de toda a música é tocado o mesmo motivo, só que com destaque e introdução para diferentes instrumentos. Ou seja, aquilo que num disco normal ou num concerto tradicional seria uma introdução dos elementos ou do tema para depois se passar à composição propriamente dita, aqui é revista e travestizada e tomada como elemento único. Os instrumentos são múltiplos, os intervenientes reais (os próprios Bonzo e convidados como Eric Clapton no ukelele) ou imaginários – John Wayne, Adolf Hitler no vibrafone, Quasimodo na bateria... 
A voz, que vai apresentando os "convidados", é do infelizmente já falecido Vivian Stanshall, que aqui mostrou as capacidades de mestre de cerimónias aproveitadas em 1973 por Mike Oldfield, que o convidou para apresentar os instrumentos que Oldfield vai tocando em Tubular Bells. E.M.

The Bonzo Dog Doo-Da Band, The intro and the outro (1967)


terça-feira, 15 de dezembro de 2015

AC/DC EM PORTUGAL!

Dia 7 de Maio de 2016 (sábado), no Passeio Marítimo de Algés. Bilhetes à venda no próximo domingo, dia 20 de Dezembro. 

Será preciso dizer mais?
Apenas que o ano que vem parece que vai exigir um esforço na bolsa do hard rocker e alternativo já com, digamos, alguma experiência de vida.
Se não, vejamos: já confirmados estão The Cure, Pixies (no Alive), Iron Maiden e agora AC/DC, e tudo indica que os U2 também cá venham dar uma perninha. Haja fôlego! E.M.

AC/DC, You shook me all night long (1980)


Onde é que já ouvi isto?

Adam and The Ants vs Rolf Harris


Em 1981 Adam Ant (e os seus The Ants), uma das mais originais figuras do movimento neo-romântico, acertou numa pepita de ouro com este Prince Charming, nome de álbum, de single, de vídeo. Hilariante, simplicíssimo, dois acordes repetidos para cima e para baixo em ritmo de marcha forçada, sobre um Príncipe Encantado que não tem que ter medo do ridículo. O tema ficou no ouvido, o vídeo, com Adam Ant a fazer de Cinderelo, Clint Eastwood, Alice Cooper e etc., é de partir o coco, e a genialidade da canção marcou a carreira do grupo. Só que... 
Afinal havia outra.  Mais concretamente de 1965 vinha War canoe, uma cançãozinha escrita e cantada por Rolf Harris, um artista australiano que foi durante muitos anos um dos mais queridos apresentadores da TV britânica. Basicamente, Prince Charming é uma cópia descarada de War canoe, no ritmo, na percussão, na linha vocal, nas vozes de acompanhamento.
Muitas vezes há processos de plágio que parecem só querer sacar dinheiro devido a algumas parecenças, mas neste caso é mais do que parecenças, é samplado. E ainda por cima de certeza que um jovem Adam Ant a terá ouvido no rádio quando era criança, por isso não podia alegar desconhecimento.
Lá acertaram as contas em tribunal. E se Rolf Harris precisa do dinheiro para advogados, pois está preso desde o ano passadoo, acusado de vários actos de pedofilia. Retiraram-lhe quase todos os prémios e honras que tinha recebido, e mesmo o Youtube está a cancelar muitos dos seus vídeos. Por isso, enquanto se pode façam lá a comparação. E.M.


Adam and The Ants, Prince Charming (1981)

Rolf Harris, War Canoe (1965)



quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

TAIS QUAIS

Mais um projecto ao Sul, dos suspeitos do costume pós-Rio Grande, ou seja, mais um supergrupo com João Gil, Tim, Vitorino e Jorge Palma.
A novidade destes Tais Quais, cujo álbum Os Fabulosos Tais Quais saiu em Novembro, é a mudança de azimute para o feminino: surge Celina da Piedade, acordeonista e vocalista cheia de vida e tradição, que já fez de tudo um pouco na apropriação da canção popular alentejana e não só. Aqui surge também, na produção executiva, o seu companheiro Alex Gaspar, que com ela escreve alguns dos temas gravados. 
Letras também pelo excelso João Monge, cúmplice de João Gil desde os tempos dos Trovante, e por Vitorino. Há recuperação de tradicionais e uma versão (mais uma...) de Circo de Feras, dos Xutos, que se está rapidamente a tornar mais Tim-esca do que Homem do Leme. A completar o ramalhete de cheiros além-Tejo, Sebastião Santos na bateria e Paulo Ribeiro (que acompanhou João Gil no anterior projecto Baile Popular) na voz profunda, e Jorge Serafim, de cerradíssima pronúncia da planície, a contar histórias. 
Musicalmente, nada de novo, cantigas de fundo tradicional bem cantadas e bem tocadas, em formato acústico mas sem grande centelha ou novidade. Mas não se pode pedir a João Gil para acertar sempre nos números da lotaria. Um homem com o seu currículo e todo o bem que já fez à música nacional bem pode juntar os amigos e fazer mais um disco sempre que quiser.
Fica então a novidade feminil, com a voz fresquinha de Celina e o seu acordeão a acompanhar, neste Mês de Agosto. E.M. 



Tais Quais, Mês de Agosto (2015)


Nota: alguns dias após este post, a Sony retirou os clipes do álbum do Youtube. Esperamos que voltem a inseri-los.





segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

FLOWERED UP  IT'S ON


Música para ir para a noite. Um dos nomes esquecidos do movimento baggy, mais centrado em Manchester com os Happy Mondays como figura de proa. Os Flowered Up giravam à volta dos irmãos Maher (Liam na voz e Joe na guitarra), vinham de Camden (Norte de Londres) e tiveram uma carreira curtíssima. Dessa meteórica passagem pela (semi)fama ficaram Weekender, um longuíssimo maxi-single de 13 minutos que fazia a crónica da saída dos jovens de classes operárias para os bares e discotecas de sexta e sábado à noite, e It's on, uma maravilhosamente pedrada e divertida cantiga de roda, construída à volta de uma flauta de pã, guitarras ácidas e um Liam no seu melhor acento cockney a apelar ao consumo de substâncias que ajudassem a ainda melhor passar a noitada. Seguiram tão bem os seus conselhos que já passaram os dois para o outro lado, ambos de overdose, Liam em 2009 e Joe em 2012. Parece que há coisas que se devem deixar para trás passados os 30 anos... It's on saiu na terrivelmente estilosa editora Heavenly, onde também despontaram, por exemplo, os Manic Street Preachers (que já cá picaram o ponto) e os Saint Etienne. E.M.


Flowered Up, It's on (1990)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

SCOTT WEILAND (1967-2015)

Mais uma baixa na primeira linha do grunge. Agora foi a morte de Scott Weiland, vocalista dos Stone Temple Pilots e, mais tarde, dos Velvet Revolver. Ao que parece, devido a droga, ontem à noite, sozinho no seu autocarro de digressão. Grande voz, vida caótica, personalidade difícil. Para recordar, um dos melhores temas dos Velvet Revolver (supergrupo com três ex-Guns'n'Roses, incluindo o guitarrista Slash). E.M.

Scott Weiland nos Velvet Revolver, Superhuman (2004)



quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Bolsa musical: Mortos famosos #4 Janis Joplin 

Há artistas que morrem novos. São relembrados e recuperados, mas a sua obra, para além do que é obtido nos arquivos do que gravaram mas não chegaram a editar em vida, mantém-se fechada. Mas ao ouvir as suas canções, muitas vezes questiono-me sobre o que poderiam ainda ter feito se não tivessem falecido tão novos. Neste singela rubrica, é mesmo esse exercício de adivinhação que se tenta fazer. 

Janis Joplin (morreu a  4 de Outubro de 1970), com 27 anos
Janis Joplin. Esta sim, uma perda imensa para a música e a cultura em geral. Claro que algumas das características que a tornavam especial ou mesmo única foram as mesmas que a levaram ao desaparecimento prematuro. O imenso gosto pelas coisas "boas" da vida (sexo, álcool, drogas) de forma excessiva criou-lhe uma base de experiências que passou para as suas letras e músicas. A sua imensa vontade de se afirmar num mundo essencialmente masculino, bonito e bem-educado deu-lhe forças para abrir caminhos estéticos diversos a partir da tradição dos blues, dos musicais e dos espirituais. Nas décadas que se seguiram à sua morte em 1970, e que foram dominadas pelas ramificações do rock, creio que Janis poderia ter continuado a ser uma jogadora importante, quer na continuação da tradição como na inovação. Imagino-a perfeitamente a enveredar pelas versões acústicas e intimistas, ou a explorar as margens do "spoken word" e da performance.  
Probabilidades de futuros êxitos musicais: 90 em 100. E.M.


Para recordar, uma dilacerante versão do standard Little girl blue, um original de 1935 de Rodgers & Hart, aqui ao vivo no programa de TV de Tom Jones.


Janis Joplin, Little girl blue (1969) 

domingo, 29 de novembro de 2015

ABC   ALL OF MY HEART

De The Lexicon of Love, o impecavelmente interpretado e embrulhado álbum de estreia dos ABC, em 1982, sai All of my heart, uma minissinfonia de crescendos de cordas, pianos embevecidos, picos de emoção seguidos de silêncios abruptos, um longo e excelente final apenas instrumental, e uma letra de seda fina retirada do vocalista Martin Fry como se fosse um libretista de ópera italiana. Um pedaço de pastelaria barroca em forma de canção. Saboreemos. E.M.  

ABC, All of my heart (1982) 


Add and subtract but as a matter of fact
Now that you're gone I still want you back.
(...)
Spilling up in silk and coffee lace, 
You hook me up a rendezvous at your place, 
Your lipstick and your lipgloss seals my fate.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

NUNCA HAVERÁ PACHORRA PARA...

David Fonseca

Se algum dia fosse director de uma estação de rádio, daria liberdade aos meus colaboradores na escolha dos artistas e temas para passar. Sem restrições. Sem listas negras. Excepto... David Fonseca. Condenado por crimes contra a cultura nacional e contra a música em geral, não teria acesso às ondas hertzianas e digitais.

Ó céus, por onde começar? Antes de mais, por o seu talento e as suas capacidades artísticas serem inversamente proporcionais ao que ele pensa de si. 
Depois, vamos por partes:
. A sua voz é fraca, desafina, não tem alma.
. As suas letras são de pé quebrado, o seu inglês, quando não apresenta erros rasteiros, é soluçante e macarrónico.
. As suas capacidades de compositor mantêm-se inalteradas desde os tempos dos Silence 4 (cujo sucesso é para mim um dos grandes mistérios dos anos 90. Só a lembrança das desarmonias vocais entre Fonseca e a outra vocalista, Sofia, me causa arrepios).
. Fotógrafo, videógrafo? É melhor nem sequer entrarmos por aí.

Lembram-se dos Humanos, esse maravilhoso projecto de recuperação arqueológica e modernização de temas que o grande António Variações deixou em esboço? Eram três vocalistas: Manuela Azevedo (dos Clã) e o fadista Camané... e David Fonseca. E a prova do génio de Variações, Azevedo, Camané – e já agora de Nuno Rafael, na produção – é que nem a participação de David Fonseca conseguiu estragar o disco. 

David Fonseca tem novo álbum a solo. O primeiro em português. Chama-se Futuro Eu. Se ao menos se mantivesse no passado dele... E.M. 


P.S.: Para desanuviar, um tema dos Humanos: A culpa é da vontade. Canta Manuela Azevedo, trazendo na pele a sensualidade misturada com retraimento que era apanágio de António. Musicalmente, um contagiante pedaço de trip-hop – confiram a dengosidade da bateria de Sérgio Nascimento.

                                               Humanos, A culpa é da vontade (2004)




  

terça-feira, 24 de novembro de 2015

THE CURE EM PORTUGAL EM 2016

Anunciado ontem pela Everything is New. Para daqui a um ano exactamente: 22 de Novembro, no Pavilhão Atlântico (verdadeiro nome do M*O  A*E*A), ao Parque das Nações, Lisboa. Em Março de 2008 deram um grande concerto no mesmo local. Grande mesmo, foram mais de três horas, com quase tudo o que um fã poderia pedir. Quase... seria muito esperar que no ano que vem desencantassem do fundo do baú a belíssima Catch? A esperança não morre... E.M. 

The Cure, Catch (1987) 

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

TITÃS  COMIDA


Arnaldo Antunes, mais tarde celebrizado por cá como um terço do projecto Tribalistas, tinha apenas 26 anos quando escreveu a letra e cantou este tema do grupo de rock brasileiro que então integrava, os Titãs. Chama-se Comida, é uma espécie de marcha funk electrónica que serve uma empolgante e impressionante chamada às armas da consciência, íntima e colectiva, para nunca esquecermos o que o ser humano tem de melhor e de mais imprescindível. Reparem bem no ritmo, nas dobras da língua, na eficácia. Não é por acaso que Arnaldo se licenciou em Linguística. Um dos grandes poetas da língua portuguesa. Porque a gente quer inteiro e não pela metade. E.M.

A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte

A gente não quer só comida
A gente quer bebida
Diversão, ballet
A gente não quer só comida
A gente quer a vida
Como a vida quer

A gente não quer só comer
A gente quer comer
E quer fazer amor
A gente não quer só comer
A gente quer prazer
P'ra aliviar a dor


A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer dinheiro
E felicidade
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer inteiro
E não pela metade

quinta-feira, 19 de novembro de 2015




IF YOU TOLERATE THIS
YOUR CHILDREN WILL BE NEXT 

Belíssima canção dos Manic Street Preachers, banda galesa de agit-rock. Lançada em Agosto de 1998, ainda no final da última década de bonança, era um grito de lembrança dos totalitarismos passados. Neste caso, um slogan utilizado nos anos 30 face ao avanço do fascismo e à necessidade de defesa da Liberdade e da união. Neste conturbado século XXI, que seja um grito de luta contra os que, querendo aproveitar-se das fragilidades inerentes à democracia, estão a atacar tudo por que milhões de europeus pugnaram ao longo dos últimos séculos: a possibilidade de pensar por si mesmo, sem medo de reis, deus ou de inferno. Se tolerarmos teosofias, os nossos filhos serão tudo menos livres.



Manic Street Preachers, If you tolerate this your children will be next (1998) 


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Dom La Nena – língua à volta do Mundo

Confesso que até há poucas semanas nunca tinha ouvido falar de Dom La Nena (de sua graça Dominique Pinto, nascida em 1989 no Rio Grande do Sul). Mas um spot passado na Antena 1 chamou-me a atenção – seria a voz? a cadência? a respiração? Enfim, encurtando a história, na noite de 4 de Novembro lá me desloquei ao Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém para ver o concerto da jovem brasileira. 

Numa sala muito bem-composta a nível de público (estava integrada no festival Misty Fest), uma actuação rigorosamente a solo, baseada essencialmente no segundo/último álbum, Soyo (2015), e que bela surpresa que foi. Tocou tudo: violoncelo, guitarra eléctrica, ukelele, percussões, teclas, caixinha de música... usando a técnida da loopstation para iniciar os instrumentos de base, continuando estes a tocar sozinhos ao logo da canção. Uma espécie de "one woman band", basicamente. Dado que estudou violoncelo na Argentina, viveu em Paris e agora também anda por Lisboa, não espanta que tenha cantado em português, "brasileiro", francês, castelhano e inglês. E é de uma forma muito redondinha que as línguas se vão entrelaçando umas nas outras. 

As suas canções são pequeninas mas não são simples. São cativantes e leves e algo misteriosas. É uma rapariga diferente, lá isso é. Foi um prazer ver como comandou a audiência, contou histórias, fez inesperados. Cantou uma versão de Felicidade, o clássico do seu conterrâneo Lupicínio Rodrigues, e escapuliu-se após o encore pela porta  principal do Pequeno Auditório enquanto a plateia ainda cantava "la Nena soy yo". Quando saí ainda ouvi ao longe os sinos que tinha amarrado no seu tornozelo. E.M.

Dom La Nena, Vivo na maré (2015)

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

REPÓRTER ESTRÁBICO – e o estado da política nacional

Os veteraníssimos Repórter Estrábico, do Porto para o Mundo com o seu "techno pop irónico", têm em Biltre  (álbum Eurovisão, de 2004), a definição definitiva (passe a redundância e o pleonasmo) da classe política nacional, mais visível ainda nestes tempos de incerteza e esvaziamento.


Repórter Estrábico, Biltre (2004)

E junta-se a letra, com incursões em termos que começam a desaparecer nas trevas da língua portuguesa, mas cuja argúcia e acuidade não devem ser esquecidas.  E.M.



Repórter Estrábico, Biltre 

Biltre, cabotino, mentecapto
Lorpa, palhaço, morcão
Bronco, sabujo, tacanho
Grunho, pilantra, lambão

Pulha, bacoco, execrando
Bruto,  cabresto, pimpão
Alarve, ranhoso, pacóvio
Rafeiro, canalha, gingão

Cretino, palerma, simplório
Velhaco, energúmeno, calão
Tinhoso, primitivo, leviano
Grosso, pachola, cagão

Biltre, cabotino, mentecapto, fascista fascista
Biltre, cabotino, mentecapto, fascista fascista

Moina, troglodita, calaceiro
Besta, vadio, matulão
Maroto, janota, parasita
Tosco, galdério, maganão

Crápula, facínora, pendura
Marmanjo, sendeiro, parolão
Reles, azeiteiro, salafrário
Falso, rasteiro, parvalhão

Biltre, cabotino, mentecapto, fascista fascista

Biltre, cabotino, mentecapto, fascista fascista

segunda-feira, 9 de novembro de 2015


Sétima Legião, O canto e o gelo


Sétima Legião, um dos nomes fundamentais da música nacional nos anos 90, firmemente com um pé no eixo urbano-depressivo Manchester-Liverpool e outro nas aldeias do interior português. Do primeiro álbum, A um Deus Desconhecido (1984), escolhi O canto e o gelo, um tema que de português quase só tem a letra, mas que demonstra como um grupo de jovens da Avenida de Roma podia produzir canções de recorte rock internacional  que nada ficavam a dever a uns, digamos, Echo & The Bunnymen. A bateria é implacável, a voz de Pedro Oliveira imponente, teclados milimetricamente encaixados, a malha de guitarra é infecciosa – aliás, é daquelas que muitas vezes assobio quase inconscientemente. Letras de uma poesia torguiana: "E quando o frio passou só me ficou o encanto de um segredo." Produção imérita de Ricardo Camacho e Pedro Ayres Magalhães. Um fogo gelado que ainda não se apagou. E.M.


Sétima Legião, O canto e o gelo (1984)

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

RÁDIO NOSTALGIA: O REGRESSO


Desde finais de 2011, regressou a Portugal a Rádio Nostalgia. Esta segunda vida é uma franchise da NRJ International, produzida no nosso país pela maioria da equipa da antiga Rádio Paris-Lisboa, e nas frequências da mesma: 90.4 FM para a Grande Lisboa e 90.0 para o Grande Porto. O formato é simples: recuperação de êxitos do pop rock anglo-saxónico (essencialmente) dos anos 60, 70 e 80, mais uma boa dose de portugueses, para cumprir a quota da famigerada lei da música nacional. 

Quanto às vozes: 

*Luís Talete (que, creio, ainda faz as manhãs), a fazer o que Luís Talete fez na Capital. Nem melhor nem pior nem diferente.
*Já Manuela Paraíso é outro caso. Senhora de uma voz maravilhosa, verdade, mas não consigo enxotar a sensação de que ela gostaria era de estar a apresentar temas dos Coil ou dos Hugo Largo. Isto porque os seus gostos são mais do que alternativos, são exotéricos. Tem uma grande carreira de escriba e de realizadora, nomeadamente na mítica Rádio Azul nos épicos anos 80 da Margem Sul, e depois na XFM. Mas enfim, é sempre um veludo a sua voz nos nossos tímpanos.  
*Quanto a Paulo Lázaro, que orienta por agora o bloco do regresso a casa, é o inverso: nota-se ali, para além de uma excelente articulação vocal (será a sua costela de actor?), um gosto e um conhecimento genuínos de muito do que passa.    

A informação, com blocos muito curtos à hora certa, é de qualidade, sem grandes rasgos (também é preciso aceitar que é uma rádio esmagadoramente musical). 

A maioria das colaborações exteriores (Luís Ferreira de Almeida e a sua venerável Idade da Inocência, que tantos anos esteve na TSF juntamente com Margarida Pinto Correia, por exemplo) terminou, creio que devido a contenções financeiras, e como também já aconteceu noutras rádios do grupo radiofónico de Luís Montez. 

Assim, as que continuam são da prata da casa: Nostalgia Renovável (Orlando Azevedo), Paris Mon Amour (Ricardo Filipe de Matos a traçar linhas para a música francesa, numa das ligações que restam à antiga estação "oficial" do Estado francês) e Garota de Ipanema, artistas brasileiros muito bem escolhidos por Antonieta Lopes da Costa, que é a directora da estação.

Claro que não poderia faltar uma referência a Nuno Infante do Carmo, o inefável NIC, um dos homens com mais conhecimentos e humor do universo radiofónico nacional. É da sua responsabilidade a rubrica diária Uma Data de Música (efemérides musicais), e só o nome já é uma delícia, e os especiais de fim-de-semana. 

A programação vem já definida dos donos do franchise. No geral aceita-se bem, e é bom ouvir, por exemplo, canções que escaparam ao radar – exemplo: Follow you follow me, dos Genesis. Mas também não deixa de surpreender uma certa inflexibilidade na renovação da playlist, e a insistência em alguns temas cuja vida em Portugal foi, e em certos casos justamente, inexistente (Dust in the wind, dos Kansas). E.M. 

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

NELSON MOTTA NOITES TROPICAIS (livro)

Não sei se é já a nostalgia de (mais) um Verão que se foi foi, mas tenho andado nos últimos tempos de olhos e ouvidos atentos aos camaradinhas lá de Terras de Vera Cruz – o tal de Brasil. E um dos principais pilares desta abordagem tem sido um maravilhoso livro, lido e relido: Noites Tropicais, de Nelson Motta. A edição que me chegou, através das mãos de Helena A., rapariga que percebe muito de letras, é a original brasileira, da Objetiva, de 2000, mas creio que já houve uma edição portuguesa. Na Fnac, por exemplo, creio que ainda se consegue apanhar um ou outro exemplar.



Trata-se de uma autobiografia de um homem que esteve no centro, ou pelo menos nas laterais, de quase tudo o que aconteceu de importante na música brasileira entre finais da década de 1950 e meados da de 1990 – a acreditar no que ele escreve, pois fica-se sempre com uma leve impressão de exagero, mas enfim, os tropicais são assim, e os escritores são assim. Por outro lado, mesmo tendo três revisoras, surgem coisas como o Festival da Ilha de White. Devem querer dizer da ilha de Wight, não,meninas? 
Foi letrista, produtor, apresentador de rádio e televisão, promotor, publicitário, jornalista, enfim, tudo. Conheceu todos, bebeu com todos, cantou e tocou com todos, escreveu sobre todos, dançou com todos, dormiu com todas. 
Autobiografia escrita de maneira gingada, de malandrice e emoção na ponta do violão, de alguém com grande conhecimento do que fala, dos pormenores que marcam as histórias, de um homem com uma fome de viver e divertir e culturar inversamente proporcional à sua estatura: 1,67m. (Quando, sendo casado, teve um caso com Elis Regina, o então marido desta, Ronaldo Bôscoli, teve uma tirada acerada: "Finalmente Elis encontrou alguém à sua altura.)
Ficamos a saber como João Gilberto cantou e tocou uma noite inteira, a sós, para Nelson. Ficamos a saber como foi preso pela polícia num festival que estava a apresentar, por fumar um "baseado".
Ficamos a saber que só pediu um autógrafo em toda a sua vida: a Roberto Carlos.
(Quase) Ficamos a saber da sua paixão por Marisa Monte, vinte anos mais nova e que ele ajudou a lançar...
Bossa Nova, Tropicalismo, MPB, Rock brasileiro... 
Um livro recheado de informação, mas que se lê como uma brisa.
Houvesse vontade (e verbas) para o reeditar e divulgar como deve ser em Portugal.


Dancing Days, Frenéticas (1978)


Para ilustrar uma carreira... bem, frenética, ficam As Frenéticas com Dancing Days, tema da telenovela de 1978 da Rede Globo e que foi sucessão por cá também. Para que se saiba, a novela foi feita a partir da verdadeira discoteca de nome Dancing Days, que foi pensada e gerida nos seus gloriosos quatro meses de existência por Nelson Motta. Que também escreveu a letra desta canção... Pensando bem, se calhar o homem estava mesmo em todas. E.M.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Natalie Merchant, I may know the word

Após abandonar os 10000 Maniacs (já tocaram aqui), de que era letrista, compositora e vocalista, Natalie Merchant  lançou em 1995 o seu primeiro álbum a solo, Tigerlily. Face ao trabalho com a banda, direccionou aqui as letras mais para o intimismo emocional do que para a análise política e social, e sonoramente orientou-se para um pop elegantíssimo com toques de jazz. Estas directrizes podem ser comprovadas neste longuíssimo, brilhantíssimo e intimíssimo I may know the word. Mais tarde, e provavelmente devido a não ter quem lhe fizesse um controlo de qualidade (é para isso que se tem os companheiros de banda...), a sua produção decresceu de interesse. Mas este Tigerlily é uma obra consistente e cuja audição é um bálsamo para os ouvidos e para a alma. E.M. 


Natalie Merchant, I may know the word (1995)


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Dexys Midnight Runners
There, there, my dear


Ah, ser adolescente e poder ouvir pela primeira vez Searching for the Young Soul Rebels, o álbum com que Kevin Rowland estreou os seus Dexys Midnight Runners. Um álbum como o grupo, e como próprio Rowland: forte, melódico, intenso, directo mas subtil, empenhado social e politicamente. Recupera a soul mais rica dos anos 60, como, por exemplo, da editora Stax/Volt. Junte-se-lhe uns pozinhos do rock inglês e a inquietação de um irlandês de classe operária em Inglaterra, e temos um clássico. Podia ter escolhido praticamente qualquer um dos onze temas, mas confesso que tenho uma predilecção pelo que está no finalzinho. Chama-se There, there, my dear, e é uma pérola. Quase uma marcha, com uma belíssima linha de baixo mesmo muito grave, os sopros sempre a riffarem por trás. E Kevin Rowland totalmente possuído pela raiva, questionando o receptor, um tal de Robin, sobre como pode ele, num mundo repleto de grandes escritores, pensadores, músicos, dramaturgos... como é que ele consegue realmente gostar de Frank Sinatra!?... Soul com alma, contra a mediocridade e a complacência. E.M. 

Dexys Midnight Runners, There, there, my dear (1980)

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

HERMAN JOSÉ - NÃO DESCALCES OS SAPATOS

Finalmente! Dos nevoeiros da minha infância, lembrava-me de ouvir na rádio (ou ver na televisão?) o grande Herman José, então a iniciar os seus anos dourados, a cantar uma canção cujo insólito refrão andava à volta de "não descalces os sapatos". Mas como começaram a passar os anos, nunca mais a ouvia em lado algum, e mais ninguém se lembrava dela, cheguei a pensar que teria sido um sonho. Mas não. A editora que detém os direitos dos temas de Herman José na passagem dos anos 70 para os 80 colocou recentemente no Youtube estas raridades - podem também dar uma olhadela ao "Cóboi da Reboleira"! -, e agora todo o Mundo, e arredores, pode ouvir este hilariante fado-canção, de um surrealismo sem concessões. E o refrão fica dentro da moleirinha como um insecto da Matrix dentro de Keanu Reeves. Não sei quem escreveu a letra (desconfio que seja do grande Carlos Paião), mas reparem só nesta pérola:

É um fado rebuscado
Mastigado, vomitado
Ruminado e digerido
Uma obra conseguida
Tão sofrida, tão espremida

Tão fazida sem sentido

Glorioso E.M.



Herman José, Não descalces os sapatos (finais de anos 70/inícios dos 80?) 





domingo, 18 de outubro de 2015

PRIMAL SCREAM

Após sair dos The Jesus and Mary Chain, Bobby Gillespie fundou os Primal Scream, já abordados aqui, que se tornaram uma instituição musical escocesa. Mas como já dizia o outro, a única constante na sua carreira, a nível estético, foi a mudança. Nos primeiros anos, beberam no psicadelismo byrdsiano. O single de estreia, Velocity girl, é de uma leveza tal que quase parece evaporar-se. Minúsculo em termos de tempo e com um belíssimo entrançado de guitarras, é uma das principais recordações do que se convencionou chamar C86, uma série de bandas que o jornal musical britânico NME - New Musical Express  juntou numa cassete de oferta nesse ano de 86, e que tinham nas guitarras e no power pop os seus pontos de união - por exemplo, os Soup Dragons e os Wedding Present. E.M. 


Primal Scream, Velocity girl (1986)

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Pedro Abrunhosa, Viagens

Passei a primeira metade de 1994 fora de Portugal, e quase sem contactos com o cantinho à beira-mar plantado. Eis pois qual não é a minha surpresa quando chego no Verão e não consigo abrir a rádio sem ouvir Não posso mais, Socorro, É preciso ter calma e, mais tarde, Tudo o que eu te dou. Um fenómeno, e que, como se viu, veio para ficar.
Independentemente das suas fraquezas vocais, não se pode retirar valor ao que Abrunhosa fez: já com uma idade "provecta", saiu do gueto do jazz e tornou-se um nome nacional com uma bela mistura de jazz, funk, swing, hip hop e rock. Uma produção cuidada, colaborações escolhidas a dedo (Maceo Parker, Norman Cook) e o pulso firmemente posto no que então se dirigia para as discotecas internacionais fizeram de Viagens, o álbum, um marco. Ao que parece, vendeu 250 mil exemplares. Num país de 10 milhões de habitantes, façam as contas.
Num disco praticamente sem pontos fracos, a minha predilecção vai variando com os tempos, mas onde regresso mais é a Viagens, o tema-título. Balada longuíssima e languidíssima, remete para um lounge elegante e quente, através do belíssimo saxofone e das percussões. E se por vezes as suas letras eram perigosamente dependentes do dicionário básico de rimas, muitas vezes conseguiam reflectir o ambiente pretendido. Neste caso, "viagens sem princípio nem fim, beijos entregues ao vento, e amor em mares de cetim". Música intemporal. E.M.  


Pedro Abrunhosa, Viagens (1994)



domingo, 11 de outubro de 2015

Pequena dor, Imenso génio de Tê


Rui Veloso a cantar uma letra de Carlos Tê, que é um dos poucos génios vivos da música nacional. Com as palavras do português de todos os nossos dias faz letras únicas, ímpares, universais. Que país este, em que um artista deste calibre teve que passar grande parte da sua vida de adulto a trabalhar num banco... Pequena dor surgiu pela primeira vez no álbum Cabeças no Ar, projecto efémero de Veloso, Tim, Jorge Palma e João Gil (ou seja, os Rio Grande menos Vitorino) e Tê, mais tarde passado a musical. Junto também a versão de Luísa Sobral no segundo volume da colectânea acústica Voz e Guitarra (2013) - a mesma intimidade semienvergonhada, agora em perspectiva feminina. E por fim a letra, merecidamente. E.M. 


Rui Veloso/Cabeças no Ar, Pequena dor (2002)

Luísa Sobral, Pequena dor (2013)

PEQUENA DOR

A tua pequena dor 
quase nem sequer te dói.
É só um ligeiro ardor 
que não mata 
mas que mói.

É uma dor pequenina
quase como se não fosse.
É como a tangerina
tem um sumo agridoce.

De onde vem essa dor
se a causa não se vê
se não é por desamor
então é uma dor de quê.

Não exponhas essa dor. 
É preciosa, é só tua
não a mostres tem pudor
 é um lado oculto da Lua.

Não é vício nem costume
deve ser inquietação. 
Não há nada que a arrume 
dentro do teu coração.

Talvez seja a dor de ser
só a sente quem a tem
ou será a dor de ver 
a dor de ir mais além.

Certo é ser a dor de quem 
não se dá por satisfeito.
Não a mates, guarda-a bem
guardada no fundo do peito.


sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O FAZER FALSO 

O FAZER FALSO
Exposição colectiva com curadoria de Miguel von Hafe Pérez
Com: Ana Catarina Fragoso, António Olaio, Fernando José Pereira, Guillaume Vieira, José Almeida Pereira, Luís Alegre, Marta Alvim, Miguel Palma e Pedro dos Reis
Espaço AZ
Travessa da Fábr
ica dos Pentes, 10, LISBOA 
De 8 a 24 de Outubro


Colectiva de artes plásticas no espaço subterrâneo ali às Amoreiras, numa transversal à Fundação Vieira da Silva. O "cabeça-de cartaz" é Miguel Palma, que surge com duas construções e quatro colagens sobre papel que continuam a sua preocupação com a relação entre o corpo humano a máquina, nomeadamente a automóvel. Outro "veterano", António Olaio, com uma bem conseguida extracção da sua série "Square feet", aqui dividida entre quatro óleos no piso -1 e o correspondente vídeo em loop no -2. Excelentes as apropriações de José Almeida Pereira, recuperando e fantasmando quadros de Courbet e Vermeer. Por fim, a seguir com atenção Ana Catarina Fragoso, com uma ambiciosa instalação de "livros" em acrílico a reflectir sobre a impossibilidade de a imagem ser a realidade e de os guias nos levarem aos lugares físicos. E.M.



Pedro dos Reis, Résistance (impressão sobre papel, 2011) 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Chiclete, de cá e de lá do Atlântico

Essa galáxia que é a música brasileira esteve numa determinada altura alinhada com a congénere portuguesa. Foi na primeira metade dos anos 90, quando ambos os países tinham recentemente saído de ditaduras (Portugal) ou em período de estertor das estruturas de repressão (Brasil). Assim, abriram-se repentinamente ao que o vasto mundo exterior tinha para lhes oferecer - o que, neste caso específico, era a pop electrónica, o punk/new wave e o ska. Curiosamente, duas dessas bandas acabaram por ter um grande êxito com o mesmo título. Primeiro os portuense Táxi, cujo álbum de estreia homónimo de 1981 abria com Chiclete - que qualquer português com dois (ou um...) ouvidos conhece. Um pedaço de ska que cá era então novidade quase absoluta.  
Já os Ultraje a Rigor - grande nome, senhores -, então como agora liderados por essa personagem fabulosa que é Roger Moreira, lançaram em 1989 O Chiclete, um tema hilariante de pop-punk, primo em espírito de uns Censurados ou Peste e Sida na agitação social. Com uma letra absurda na senda dos nacionais Enapá 2000 (aliás, e noutra coincidência, os Ultraje a Rigor mais tarde fizeram uma música intitulada Marylou...), O Chiclete são três minutos de resolutos riffs de guitarra e baixo e um insistência em "bum-bum-bum-bundão", terminando com solos vocais dos quatro então elementos a apresentarem-se uns aos outros. Delicioso. E.M. 


Ultraje a rigor, O chiclete (Brasil, 1989)



Táxi, Chiclete (Portugal, 1981)