It's a one time thing
It just happens a lot

Suzanne Vega

domingo, 29 de março de 2015

YOU CAN LEAVE YOU HAT ON, JOE COCKER (1986)

Nome médio da cultura popular, mas senhor de uma grande voz, que de vez em quando acertava na escolha do reportório e na abordagem dos temas, Joe Cocker foi mais um dos nomes que partiram deste palco terreno em 2014. Para mim, ficará para sempre ligado a You can leave your hat on, canção que Kim Basinger utiliza para seduzir Mickey Rourke no filme 9 Semanas e Meia. A dita película tem muitos dos tiques da década (produção espalhafatosa, amor e erotismo com pós de pós-modernismo), mas para quem naquela altura era jovem foi marcante. A canção, um original do grande compositor Randy Newman - nos últimos tempos mais ligado a bandas sonoras de filmes de animação como Carros ou Toy Story -, é abordada por Cocker com um gingar de soul dura e com uma alegria gozadora que fazem toda a diferença.

Take it away, Kim (e perdoamos-te teres casado com o tal de Baldwin, que te "escondeu" dos nossos olhos durante tantos anos).

sábado, 28 de março de 2015

MIDNIGHT MAN, FLASH AND THE PAN (1985)

Ah, os anos 80. "Best years of our lifes", como diriam os Modern Romance. Um filão inesgotável, arrastando da década de 70 o funk, o disco, o punk e a new wave, e abrindo avenidas para o hip hop, house, indie e grunge. Vão ser anos de grande pesca aqui na loja, desde o mais descarado mainstream até ao mais obscuro single. E começamos por 1985.
Da Austrália, um projecto de dança/de estúdio, Flash And The Pan, nome atrás do qual estavam Harry Vanda e George Young (a Austrália é uma aldeia, não é? Este George é nada mais nada menos que o irmão mais velho de Malcolm e Angus Young, os pilares dos AC/DC, e esteve envolvido no início da carreira da venerável banda de hard rock).
Midnight man, aqui na obrigatória versão extended, tem aquele carácter a que costumo chamar circular, ou seja, uma canção que anda à volta e que nos enrola consigo. Aqui, o papel principal fica entregue ao baixo, enleante até dizer chega. Depois, há a  voz, que parece um mestre a dar ordens à pista, solos de guitarra, coros de "na-na-na". Basicamente, uma canção de roda para discotecas de adultos.

THE CHAMBER, LENNY KRAVITZ (2014)

Lenny Kravitz foi ser que nunca puxou muita carroça por estes lados - tirando It ain't over til it's over, um curioso pastiche de soft soul dos anos 60 editado em 1991. Nessa altura andava ainda Lenny à procura da sua identidade - algo normal, para alguém que constituía 50 por cento dos alunos de cor na secundária de Beverly Hills em meados da década de 80, sendo a outra metade Slash, dos Guns'n'Roses. Encontrada a dita identidade - um hard rock de recorte clássico a dever muito aos Led Zeppelin  -, ficou a soar demasiado a falso. Mas não é que, de repente, passados tantos anos sem telefonar, o homem nos conseguiu surpreender em 2014? The Chamber é uma fatia de electropop tão cheia de pujança e alegria que deve ter acordado todos no estúdio. Ou não, parece que o nosso Lenny, para além de compor e produzir, ainda toca todos os instrumentos. The Chamber começa com uma guitarra-ritmo cheiinha de efeito, apanha a boleia dos sintetizadores e juntam-se a uma linha de baixo que entra desde já para a lista de clássicas. No refrão, Kravitz fala (metaforicamente, esperamos) da bala metida na câmara, e verdade seja dita que emprega todos os truques para ficar no ouvido. "Party like it's 1991!", I say.

Lenny Kravitz, The Chamber ("merci", Youtube)








quinta-feira, 26 de março de 2015

HURT, NINE INCH NAILS (1994)

Música para quando se sente a ideia de punir o corpo, sem razão aparente.

Palavras-chaves: "What have I become
                            My sweetest friend
                            Everyone I know
                            Goes away in the end"



P.S.: A versão de Johnny Cash deve também ser apreciada. Embora por caminhos completamente diferentes dos de Trent Reznor (autor de Hurt e na prática os Nine Inch Nails), chega ao mesmo lugar.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Zayn Malik abandona One Direction

Um já está, só faltam quatro...
Em estágio para: Kraftwerk

Local: Coliseu dos Recreios, Rua das Portas de Santo Antão, Lisboa
Dia e hora: 19 de Abril de 2015 (domingo), às 21h30


Oportunidade rara para ver "ao vivo" o projecto que assume grande parte da responsabilidade por muita da boa música que se fez a partir dos anos 70, em áreas tão diversas como a electrónica propriamente dita ou em zonas que se apropriaram de linhas de força dos Kraftwerk como a techno ou o hip hop. Ao vivo, o grupo agora liderado apenas por Ralf Hutter (único membro-fundador sobrevivente) deixa uma sensação paradoxal de antiguidade que se projecta permanentemente num futuro sempre prestes a chegar mas inalcançável. O objectivo é a desumanização total e a perfeição sónica - veja-se a parte de espectáculos em que apenas ficam em palco os teclados/computadores e os robots -, o que é sabotado pela intensa percepção de que há uma alma muito humana a controlar tudo, e que faz o corpo resvalar para a dança. Dada a provecta idade dos senhores, esta deve ser uma das últimas hipóteses de ver "ao vivo" os Kraftwerk. Para fazer algumas flexões de preparação para o concerto de dia 19 na velhinha sala das Portas de Santo Antão, fica Boing Boom Tschak (1986).


terça-feira, 24 de março de 2015

Glastonbury vs. Kanye West vs. Dolly Parton
 
O rapper Kanye West foi confirmado como um dos cabeças-de-cartaz do Festival de Glastonbury 2015, geralmente reconhecido como o mais prestigiado (ainda se pode utilizar esta palavra)? do Mundo. E o anúncio fez estalar o verniz. Os mais tradicionalistas - ou seja, rockers e afins - fãs do festival iniciaram os protestos contra a escolha, e a respectiva petição leva já muitos milhares de assinaturas. Os organizadores Michael Eavis (pai) e Emily Eavis (filha) vieram defender a escolha. E a lembrança volta para 2008, quando a indicação de Jay Z para cabeça de cartaz tinha inflamado os ânimos.
Esclareçamos: Não estão em causa as boas intenções dos responsáveis do evento: cativar nomes fortes, diversificar as orientações estéticas, desafiar ideias feitas. Já houve grandes artistas inesperados, que não se esperaria que fizessem boa figura nos campos do Somerset, mas que acabaram por ter atuações que ficaram para os anais. Desde logo, Dolly Parton, a rainha da country, em 2014, conseguiu levar a multidão nas palminhas das suas mãozinhas.
O que está aqui em causa, neste ano da desgraça de 2015, é a validade da participação de Kanye West em concreto. Na década de 2000, foi um inovador, na área que junta a pop e o hip hop. Mas agora está em declínio acentuado (colaboração com Paul McCartney em 2015? Please...). E não só artístico. Como muitos dos seus congéneres de zona artística, não resistiu aos chamamentos do lado negro da força do bling, das "socialites", da fama desmedida. Nos dias que correm, é mais comentado pelo apelido da sua senhora (Kardashian), pelo nome próprio da sua criança (North), e pelo insulto dirigido a Beck na cerimónia dos Grammy, quando o bardo californiano ganhou o prémio de álbum do ano, e West arrogou-se o direito de achar que o galardão deveria ter ido para a sua amiga Beyoncé, e saiu intempestivamente da sala.
"Let the games begin!"

Dolly Parton, Jolene, ao vivo em Glastonbury (2014)

 
Kanie West, Gold digger (2005)
 

segunda-feira, 23 de março de 2015

The big country, Talking Heads (1978)

O universo do pop/rock é como o universo em geral: tendencialmente infinito. Quer isto dizer que está sempre a crescer, tem áreas desconhecidas, e mesmo zonas que pensamos dominar bem bem podem dar-nos surpresas. Vem isto a propósito de The big country, uma canção do Talking Heads. Escondida no finzinho do lado B de um álbum encaixado entre o surpreendente 77 (de 1977, obviamente) e o estonteante Fear of Music, acabou por me passar um pouco ao lado. Recentemente revisitei o álbum com calma, e The big country tomou-me de assalto. Cerca de 5 minutos de uma mistura incatalogável de country, marcha militar e new wave, não deixa de ter aquela demão de invenção monótona que a voz de David Byrne arrasta. O álbum de onde sai chama-se More Songs About Buildings and Food. Eu diria mais que esta é mais uma canção para tentar atordoar a monotonia diária através de um transe rítmico.


The big country, Talking Heads, 1978  (thanks to Youtube)

THE CLOCK, Christian Marclay

Museu Colecção Berardo,
Centro Cultural de Belém, Praça do Império, Lisboa
Piso -1
Até 19 de Abril
Terça a domingo, das 10h às 19h.
Excepcionalmente: dia 28 de Março, das 10h às 19h do dia seguinte
                                dia 18 de abril, das 10h às 19h do dia seguinte
Entrada gratuita


The Clock é uma instalação vídeo com 24 horas, criada pelo artista suíço-norte-americano Christian Marclay a partir de pequenos segmentos de filmes onde apareçam ou sejam referidos relógios e/ou horas. Está sincronizado em tempo real: ou seja, se no ecrã aparecer  um relógio a mostrar, digamos, 14h17m, então é porque em Lisboa são 14h17m (a não ser que o delicado programa informático tenha algum problema. Na apresentação no Centro Pompidou, em Paris, misteriosamente atrasou-se alguns minutos).
Fruto de anos de trabalho obsessivo de Marclay e de uma equipa de jovens pesquisadores que tinham por missão pesquisar milhares de DVD e cassetes VHS, The Clock é uma obra que merece os encómios que tem suscitado, e que tem levado a que as poucas cópias feitas sejam disputadas pelos grandes museus do Mundo. 
Para além do - importante - lado lúdico de descoberta, que nos leva a surpreender, agradar ou desagradar ao reconhecermos determinado actor ou determinada fita, há um trabalho de reconstrução de narrativas, que visuais quer sonoras, que é prova de que a reconstrução ou remixagem (Christian, sintomaticamente, também é "DJ de vanguarda") são hoje tão prenhes de inovação e possibilidades como a "criação pura".
Os conhecimentos das técnicas de montagem cinematográfica e seus respectivos efeitos de manipulação afectiva ou intelectual podem passar por variadíssimos estados, mas, ao fim do bloco que vimos reduzido, face às 24 horas de duração da obra, o sentimento que fica é de uma delicada opressão e uma decisão pessoal: tenho que começar a olhar menos para o relógio e deixar que ele me controle tanto os pensamentos e acções. Não que isso signifique uma autoestrada para a tão nacional bandalheira de nunca chegar a um compromisso a tempo e horas. Não, apenas significa não permitir que seja ele o decisor maior dos meus dias. Ou será isso uma utopia num ser essencialmente urbano no século XXI?
A quem puder ir ao CCB até dias 18/19: Não perca tempo! É de ver.


 
THE Clock , Christian Marclay (excerto), (ajuda de Youtube)

   

sábado, 21 de março de 2015

Blurred Lines, plágio e medo do futuro

Blurred Lines, de Robin Thicke (com inputs muito significativos de Pharrell Williams e T.I.), é, antes de mais, um pedaço de pop delicioso que animou os Verões de 2013 e 2014 e, pelo menos por estas bandas, vai ficar sempre no cesto virtual marcado com “Canções para alegrar o corpo sem incomodar muito a cabeça”.

Desde o início, o tema não fugiu à polémica – nos Estados Unidos, claro. Porque as três modelos no vídeo se apresentavam demasiado despidas (o que, no caso da versão explícita, acontecia mesmo), que a letra era misógina, machista, e outros quejandos. Enfim, carne de canhão para a miopia puritana dos States.

O problema surgiu mesmo quando, algo inocentemente e sem imaginar o que ainda lhe apareceria pela frente, Robin Thicke afirmou em entrevistas que se inspirara no ambiente/”feeling” de Got to give it up, de Marvin Gaye.

A família do grande cantor soul (assassinado a tiro pelo seu próprio pai em 1984, o que dá logo mostras do nível da referida família), responsável pelo seu “estate”, decidiu avançar com um processo de plágio. E não é que ganharam?!... Um júri decidiu neste Março que Thicke teria que desembolsar 7,4 milhões de dólares (aí uns 7 milhões de euros) de indemnização. Para além das questões que levanta sobre o sistema judicial norte-americano (uma dúzia de cidadãos sem qualquer preparação jurídica e musical reúnem-se para decidir processos desta magnitude…), surge aqui um problema que poderá vir a ser muito grave.

É que até agora os processos de plágio eram decididos por especialistas que viam se havia ou não cópia de letras ou de determinado número de compassos do original. Agora não: o júri afirma que Thicke e os seus companheiros se limitaram a copiar “o ambiente geral da canção”.

O que poderão os artistas sentir? Medo de em entrevistas falarem das suas influências ou de temas de que gostem. Receio de criar canções que partam de algum gosto de outro artista – haverá uma redução da criação artística, com menos canções a serem feitas e menos experiências sónicas.

No plano geral, poderá haver um clima de suspeição generalizado e de autocensura, o que é sempre pernicioso. Não se pode esquecer que muitas das grandes obras artísticas das últimas décadas foram, mais ou menos declaradamente, criadas a partir de valores alheios. Imaginem que os Beatles tinham tido medo de se inspirar (e de louvar publicamente) em Chuck Berry ou Larry Williams?

Esperemos que esta aberração: 1) não chegue a uma Europa normalmente mais lúcida; e 2) crie uma reacção em sentido contrário.


E chega de prosa, ouçamos este belo groove. Lá onde quer que esteja, Marvin Gaye deve estar a rir-se e a gingar-se ao som de Blurred Lines. E, a olhar para as modelos, que ele era homem que bem apreciava o sexo (então dito) fraco.




Canções, concertos, álbuns. Quadros, exposições. Reflexões e memórias. Pensadas, queridas, apaixonadas.

 

THE CLASH, LONDON CALLING (1979)

A fotografia que encima este blogue, que hoje aqui começa, discreta e solitariamente, foi tirada pela fotógrafa Pennie Smith. A 21 de Setembro de 1979, no Palladium, em Nova Iorque. Foi utilizada para capa do (então) álbum duplo London Calling, dos The Clash - edição a 14 de Dezembro de 1979 na Europa, Janeiro nos Estados Unidos.

É o meu disco preferido. Na proverbial ilha deserta, seria o disco que eu levaria. (Neste blogue vai falar-se em termos de singles, álbuns, vinil e CD - se relevante, poderá também passar pelos formatos digitais fragmentários actuais. Isto porque é escrito por alguém a aproximar-se perigosamente da meia centena de anos, logo cuja a idade de formação estética foi feita nos tempos heróicos do analógico.)

Dizia, o meu disco favorito. Dezanove canções que passam pelos estilos que juntavam o passado e lançavam o futuro. A saber, e sem ser exaustivo: rock, punk, rockabilly, jazz, reggae, funk, soul...

Já a capa (icónica, como soi dizer-se), é toda uma história em si. Remete para a capa do primeiro álbum de Elvis Presley, logo para a história do rock, e para a decadência do mesmo. E para a ambição de um grupo de quatro jovens em Londres que queriam o mundo, e agarraram-no através deste disco. 


O homem que está na capa em primeiro plano chama-se Paul Simonon, e, no final de um concerto em que nunca se sentiu à vontade, pegou no seu baixo, e foi nesse instante em que decidiu esmagá-lo contra as tábuas do palco que Pennie Smith o capturou para a posteridade.
Gostaria de pensar que parte do seu gosto pela música, da sua busca da variedade, e da sua inquietação e revolta se imiscuiu em mim através do som e se manifesta ainda no que sou - um ser imerso no som e na música. Voltarei, regular e/ou irregularmente, aos The Clash e a London Calling.




(Vídeo oficial do tema título e de abertura de London Calling,  cortesia youtube)