It's a one time thing
It just happens a lot

Suzanne Vega

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Violent Femmes Crazy

Como referido no último "post", os Gnarls Barkley editaram em 2006 Crazy. Estava incluída no álbum de estreia, St. Elsewhere, onde também surgia uma curiosa versão de Gone daddy gone, escrita por Gordon Gano e gravada para o disco de estreia dos seus Violent Femmes em 1983. Em 2008, Gano e os reactivados Femmes (estavam inactivos desde 2000) retribuíram o favor e fizeram sua Crazy, em formato calipso acústico. E como Crazy começara a partir dos samples de um tema de western spaguetti, é como se a volta fosse completa. Destaque para a nasalada voz de Gano, que suplanta a tristeza de CeeLo Green no original e sobe a parada com uma rispidez cínica. E.M. 

Violent Femmes, Crazy (2008)


quinta-feira, 23 de julho de 2015

Gnarls Barkley, Crazy

Crazy é nome de canção com grande pedigree - desde logo a balada escrita por Willie Nelson e popularizada em 1962 pela estonteante voz de Patsy Cline em 1962 e esquartejada por Julio Iglesias em 1994. 
Mas a Crazy de que aqui falamos é outra, bem mais recente, 2006, e é da responsabilidade do duo Gnarls Barkley, onde se albergam Danger Mouse e CeeLo Green, o homem da voz estranhamente cativante. E Crazy foi a grande surpresa e a grande alegria desse Verão. É um tema muito simples, com poucos níveis sonoros - basicamente voz, baixo, um ritmo e umas cordas sintetizadas -, mas é diferente de tudo o que se ouvia. É soul, disco, house, pop? É tudo e não é nada. A nível lírico, parece que parte da premissa que um artista só é levado a sério se for ligeiramente demente. A forma como CeeLo ataca as palavras, quase como se estivesse a olhar para um puzzle para as encaixar - logo a abrir "I remember when/ I remember / I remember when I lost my mind" - leva a acreditar que terá efectivamente sido gravada num único take. A inspiração vem de Last man standing (Preparati la bara), escrito em 1968 para um western spaghetti por Gianfranco e Gian Piero Reverberi, que são creditados como autores dos samples, nomeadamente a linha de baixo. É uma alegria ver como mundos tão díspares se conseguem encontrar e fazer algo completamente novo. Crazy, sabe-se, foi um êxito de abrir a boca, de tal forma que o grupo decidiu a certa altura retirá-la do mercado físico e de downloads, para que as pessoas se lembrassem dela com carinho e não com enfado. Ficam aqui Crazy e o western em que se inspiraram. E.M.


Gnarls Barkley, Crazy (2006)



Gianfranco e Gian Piero Reverberi



segunda-feira, 20 de julho de 2015

PARA COMEÇO DE FÉRIAS

Alpha Blondy, Cocody Rock

Música fresca, fresquinha. Da Costa do Marfim para o Mundo, reggae com pozinhos de afrobeat e outras linguagens africanas de monsieur Alpha Blondy. Escolhi Cocody Rock, tema-título do álbum de 1984, que me foi apresentado pouco depois pelo meu grande amigo Evaristo M., então recentemente chegado de França (ex-potência colonizadora da Costa do Marfim), onde estas mestiçagens eram já habituais. Batida tão enrolada que parece uma cobra, mas sem veneno, sim com a doçura de quem não desiste de querer abraçar a Europa e o Terceiro Mundo ao mesmo tempo. E.M.

P.S.: Cocody é uma zona de praia e vivendas em Abidjan, capital da Costa do Marfim.

Alpha Blondy, Cocody Rock (1984)

domingo, 19 de julho de 2015

SUPER BOCK SUPER ROCK - NOTAS DO SEGUNDO DIA

Fui ao segundo dia (sexta-feira, 17 de Julho) do festival Super Bock Super Rock, agora regressado a Lisboa, mais concretamente ao Parque das Nações.

Notas breves:
- O espaço é agradável, com as vantagens de ser central, com transportes à porta, e com uma excelente equipa de limpeza (a sério, meninas, deixem-me acabar a cerveja antes de começarem a limpar a mesa!); já questiono a relação dimensão/número de espectadores. É verdade que existem sempre os fluxos de pessoas que equilibram os vários espaços, mas pareceu-me que havia afunilamentos que em caso de afluxo inesperado poderiam causar problemas. Boas tendas de comes e bebes, se bem que algumas mostraram ser ainda algo verdes neste tipo de eventos (nomeadamente na colocação de pessoal e no número deste).

- Quatro palcos parece-me muito para o espaço, mas cada um com uma média de apenas quatro nomes, o que parece-me pouco, desde logo a nível financeiro (para quem organiza e para quem paga um caro bilhete), se bem que como existe uma sobreposição de propriedade entre a produtora organizadora e a detentora do Pavilhão Atlântico (sim, Pavilhão Atlântico!, não há aqui arenas de telemóveis!), os custos diminuam bastante.

- Boa ideia o palco sob a pala do Pavilhão de Portugal, onde assisti a um pedaço dos Bombay Bicyle Club, uma espécie de estrelas da segunda divisão indie, que mostraram um interessante post-rock com laivos de psicadelismo e um baixista gadelhudo que conseguia subir o nível do seu instrumento bem acima do habitual - é assim mesmo, Ed.

- O Pavilhão Atlântico é, a nível de som, uma amante caprichosa. Estava desta vez numa noite má - na lateral onde me encontrava o som era francamente sofrível. Juntando a isto nomes que primam mais pela emoção do que pela perfeição técnica e pela preocupação sonora... Ai, ai, ai.
Bem, a junção entre Jorge Palma e Sérgio Godinho foi mais um encontro de amigos, em cima e em frente do palco. Passagem por dois catálogos incontornáveis no último meio século da música moderna, com inevitáveis êxitos (Mudemos de assunto, Frágil, Portugal Portugal, O primeiro dia) e surpresas (Os conquistadores). Banda numerosa em palco, com elementos oriundos dos grupos que costumam acompanhar os dois cantores, alguns arranjos questionáveis (e "ajudados" pela acústica...), e algumas falha de memória nas letras não colmatadas pelas cábulas deram um ar um pouco amador a um concerto que, reconheça-se, não será talhado para enormodromos como aquele pavilhão. Mas nunca se deve perder Godinho ao vivo, e foi uma lavagem de alma ver tanta gente no final a gritar as palavras de Liberdade. Se bem que se fica sempre com a ligeira desconfiança que há ali espectadores que as cantam com vontade, e depois votam Passos Coelho. 

- Quem claramente não vota na direita são os Blur (o baterista Dave Rowntree, por exemplo, é autarca do Labour em Londres). E deram grande concerto - quase duas horas, 22 temas, mais do que no dia seguinte em Benicassim. Para mim foi um espectáculo um pouco triste, pois deverá ser a última vez que os vejo em carne e osso, e são eles como que amigos que comigo foram crescendo desde os inícios da década de 90.
As marcas do tempo também se começam a fazer notar nos Blur, quer nas veias das mãos de Graham Coxon enquanto faz os seus solos de guitarra, ou nas rugas da face de Damon Albarn. Quanto a Alex James, sempre a imagem do cool, com o seu baixo displicentemente acariciado e a eterna beata ao canto da boca.
Setlist dentro do esperado, com apenas quatro incursões no novo The Magic Whip, muito Parklife. Grandes momentos de comunhão emocional nos hinos midtempo (Beetlebum, Tender, To the end e, mesmo no finzinho, The universal, provavelmente a sua canção mais bem conseguida). E Song 2 é perfeita, um minuto e meio de punk desnorteado que efectivamente nos liberta das amarras terrenas.
Até sempre, amigos. E.M. 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

De saída para SBSR

Pontos de interesse: 

- o novo espaço, basicamente o Pavilhão Atlântico e o Pavilhão de Portugal, no Parque das Nações, e como se vai conseguir encaixar e movimentar tanta gente numa zona relativamente reduzida
- o espectáculo a meias de Sérgio Godinho e Jorge Palma, o primeiro um génio que é sempre de aproveitar, o segundo um vagabundo musical muito habituado a parcerias e que se tenta apanhar num dia bom
- Blur, claro, em formato novo álbum + grande êxitos. Curioso começarem pela 1 da manhã. E.M.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Nick Cave... mais uma perda

A vida de Nick Cave não tem sido calma no campo familiar. O seu pai morreu de acidente de viação quando Nick tinha apenas 19 anos e estava detido por roubo. As suas grandes paixões, nomeadamente pela brasileira Viviane Carneiro e por PJ Harvey, foram tumultuosas e dilacerantes. Agora, acaba de perder Arthur (15 anos), um dos dois gémeos que teve com a sua actual companheira. As informações disponíveis indicam que Arthur caiu de um penhasco junto ao mar situado a 5 quilómetros de Brighton, onde a família reside. Como pai que sou, custa-me imaginar o que Nick Cave estará a atravessar. Resta-me esperar que todos os pais e os seus filhos aproveitem o melhor possível o tempo que têm juntos. Nunca se sabe quando tempo terão na realidade. E.M.

Nick Cave and The Bad Seeds, Foi na Cruz (1990)

segunda-feira, 13 de julho de 2015


Folk rock para principiantes #3 - Richard and Linda Thompson

I want to see the bright lights tonight (1974)

Em 1974, o multitalentoso Richard Thompson já havia abandonado os Fairport Convention e estava lançado numa aventura a duo com a cantora e esposa Linda. O primeiro álbum foi um falhanço, e o segundo, I Want to See the Bright Lights Tonight, gravado com poucos meios e em poucos dias, seguia pelo mesmo caminho - não havia editora que o quisesse efectivamente colocar nas lojas, e quando isso aconteceu as vendas foram fraquinhas e a crítica arrasadora. Mas o tempo e a história muitas vezes acabaram por fazer justiça, e é agora um dos discos mais celebrados do folk rock dos anos 70. Se bem que, há que dizê-lo, já mais sonoramente para as bandas do rock que do folk. 
O tema-título (ouvido pela primeira vez, como tantas outras de difícil acesso em Portugal, no influentíssimo programa Morrison Hotel, do Rui Morrison, nas madrugadas da Rádio Comercial), se bem que pontuado desde o início pelo riff de guitarra eléctrica, passa rapidamente para um ambiente de boémia ancorada nas brumas dos séculos.
Canção da noite, de dinheiro para gastar, de rapazes à procura de confusão, de bêbados deitados nos cantos escuros, de violência latente à espera de um carinho que a faça desaparecer, muito bem invocados pela voz ligeiramente trémula de Linda, que termina cada quadra com o lema, que passa a ser tanto um desejo como um receio do que possa na realidade provocar.
Quintessencialmente inglesa - não fosse o caso de Richard ser metade escocês, e de Linda ter passado a sua juventude em Glasgow! Uma última palavra para a belíssima e icónica capa, com o título e os autores escritos com o dedo numa vidraça húmida. Corpos, respiração, bebidas e noite, tudo invocado numa imagem onde nada se vê. E.M.


Richard and Linda Thompson, I want to see the bright lights tonight (1974)




Uma canção destas merece a letra:


I'm so tired of working everyday
Now the weekend's come I'm gonna throw my troubles away
If you've got the cab fare mister you'll do alright.
I want to see the bright lights tonight

(chorus)

Meet me at the station don't be late
I need to spend some money and it just won't wait
Take me to the dance and hold me tight
I want to see the bright lights tonight

There's crazy people running all over town
There's a silver band just marching up and down
And the big boys are all spoiling for a fight
I want to see the bright lights tonight

A couple of drunken nights rolling on the floor
Is just the kind of mess I'm looking for.
I'm gonna dream 'till Monday comes in sight
I want to see the bright lights tonight

domingo, 12 de julho de 2015

ALIVE

Breves notas sobre o terceiro dia, 11 de Julho (sábado):

No Coreto 
- Cave Story: jovem trio post-punk das Caldas da Rainha. O mais notável é o baixo, negro e em formato de violino, a fazer lembrar o histórico Hofner de Paul McCartney. Divertiram-se, e isso é o principal.  
- Tracy Vandal: escocesa a viver em Coimbra, acompanhada por dois teclistas, loura a destilar um electropunk simpático (contradição em termos, eu sei), com visual a disfarçar uma certa vacuidade do projecto. 

No palco principal (NOS STAGE)
- HMB: cada geração tem os D'ZRT que merece.
- Counting Crows: rapazes, ainda estão vivos? Que bom para vocês.
- Sam Smith: pindérica exibição dos piores tiques pós-Ídolos, em que até os homens devem imitar Mariah Carey ou Celine Dion. Qualquer boa vontade seria eliminada por ter atacado Can't help falling in love, esse último refúgio dos falhos de imaginação.

No palco secundário (HEINEKEN STAGE)
- espectaculares os desconhecidos Sleaford Mods. Duo de hip-hop punk de Nottingham composto por Jason (voz, letras) e Andrew (música, programação), que, com um microfone, uma grade de cerveja e um velho laptop, encheram o palco e agarraram pela garganta os presentes na grande tenda dos alternativos. Ritmos simples mas poderosos, e uma abordagem vocal em que ninguém é poupado, dos desportistas aos apresentadores de televisão. Já não são nenhuns meninos, mas foram a revelação do dia.
- os Dead Combo (Tó Trips na guitarra, Pedro Gonçalves no contrabaixo, guitarra acústica, eléctrica, melódica, piano e tudo o mais) são um daqueles fenómenos de música portuguesa mestiça que de tantos em tantos anos arrastam os portugueses atrás deles. Ontem não foi excepção, com uma tenda cheia a rebolar entre Marraquexe e Paris, Texas (fazendo analogia com a velha boutade de António Variações entre Braga e Nova Iorque). Por muito tempo possam os dois Dead manter o seu groove.  
- da Escócia vieram os Mogwai, veterano sexteto de sinfonias industriais que me fritaram os ouvidos. Mas foi por uma boa causa. Um festival não será o melhor dos locais para os ver, mas gostei da imersão nas vagas de guitarras, embora às vezes parecesse que estava a vogar sobre elas (bom) mas outras que me estava a afogar (mau). Talvez seja mesmo esse o objectivo deles, mais provocar do que consensualizar.
- por fim, e também da Escócia, The Jesus and Mary Chain a tocar o seu primeiro e seminal álbum, Psychocandy (1985). É um dos meus discos de cabeceira, e cada uma das 14 canções era como uma amiga que me telefonava. Pequenos pedaços de surf distorcido, avidamente abraçados pelos trintões e quarentões presentes. Claro que estas gerações já não têm os ouvidos em tão bom estado, pelo que ontem, como é habitual, as hostes se iam afastando mais para os zonas recuadas à medida que o concerto avançava. Mas estiveram bem, Jim sempre no seu cool, William o mestre da guitarra com efeitos (como também, por exemplo, Kevin Shields dos My Bloody Valentine ou Robin Guthrie dos Cocteau Twins). Será alguma coisa que põem na água nas Highlands? No final ainda houve tempo para uns êxitos avulso, como Head on ou Reverence. Sem surpresas, mas com qualidade. Valeu bem as frequências auditivas perdidas. Viva a Escócia! E.M.
   
       

sábado, 11 de julho de 2015

TRÊS TRISTES TIGRES, Anjo da Guarda

Os Três Tristes Tigres foram um dos casos mais singulares em Portugal na década de 90. Desde logo pelo nome - se por um lado remete imediatamente para uma área querida da banda, a linguística, e para as raízes populares portuguesas, por outro é muito difícil de pronunciar. É um trava-línguas para locutores, e logo um empecilho para um grupo que se queria exposto na rádio. 
Depois, porque era, na génese, exclusivamente feminino (e portuense): Ana Deus, a vocalista tapada por João Loureiro nos Ban; Paula Sousa (ex-Repórter Estrábico, uma muito interessante banda avant-garde); e a poetisa Regina Guimarães. 
A presença de uma escritora mostra a importância dada às letras, que se incluíam num ambiente mais geral de boémia decadente, paixões violentas (como diriam os Heróis do Mar) e um certo gosto mórbido (ver "Epitáfios"). 
Assim sendo, não deixa de ser curioso que o ponto mais alto da sua carreira seja uma versão de um tema alheio - Anjinho da guarda (do grande António Variações), incluída no álbum de homenagem As Canções de António, 1994.   
O original de António Rodrigues Ribeiro era uma rockalhada irónica, terminando em cacofonia e parodiando quem teria anjos da guarda - por exemplo, Reagan, Ramalho Eanes...
Já os Três Tristes Tigres, sintomaticamente passando o substantivo Anjo para o diminutivo Anjinho, optam por um ritmo muito mais lento, por um intimista arranjo de cordas e sopros, com a voz de Ana Deus claramente crente na existência do celeste ser, acompanhada por um sample da voz do original. Foi também por esta altura que Paula Sousa saiu de cena, entrando o ex-guitarrista dos GNR, Alexandre Soares, senhor de dedo para as cordas (ver, nomeadamente, a belíssima clássica em Sete Naves, no álbum Os Homens não se Querem Bonitos, de 1985). Anjinho da guarda funciona então em vários níveis: como homenagem a um nome maior da música portuguesa; como prova da versatilidade de uma canção e de quem dela se apropria; e como belíssima canção de embalar. E.M.

Três Tristes Tigres, Anjinho da guarda (1994)

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Clube Naval Professor Xavier

Como já vimos (Foram cardos, foram prosas), no início dos anos 80 Miguel Esteves Cardoso e Ricardo Camacho tinham o toque de Midas pop. No começo da aventura épica-trágico-cómica que foi a editora independente Fundação Atlântica (onde pousavam também nomes incontornáveis como Pedro Ayres Magalhães e António Sérgio), criaram e produziram as Clube Naval, duo feminino de dava voz à música electrónica num single estupidamente cativante e estival com Professor Xavier e Salva-vidas. O primeiro tema, então, é uma pequena enciclopédia da vida juvenil naqueles tempos. Uma electrónica extremamente simples e pronta para dançar, e uma letra a gozar com a vida do liceu e o (não)estudo. Delicioso, e sempre disponível para recordar nestes Verões em que tais preocupações parecem de uma outra vida - e se calha são-no. E.M. 


Clube Naval, Professor Xavier (1983)

Simon & Garfunkel, Patterns

Entre a vasta obra do duo nova-iorquino Simon & Garfunkel, há pérolas subvalorizadas, escondidas pelo brilho esmagador de Bridge over troubled water ou Mrs. Garfunkel. Uma dessas preciosidades esquecidas é Patterns, do álbum Parsley, Sage, Rosemary and Thyme (1966). Nos seus 2m38s, Patterns (em português, Padrões), é um bom repositório de uma altura de curiosidade musical e intelectual, em que a folk e o rock se abriam a outros horizontes. Aqui, há incursões ao movimento beat, na imagética da solidão e das ilusões dos sentidos, bem como piscadelas de olho sonoras ao Oriente, como estavam os Beatles e os Rolling Stones também a fazer.
A produção de Patterns está cheia de pequenas curiosidades, desde as tablas aos inesperados toques de teclas ou os pratos (aos 1m45s). Também a voz de Simon, claramente o ponto fraco do duo, aparece a destilar um ácido que cola muito bem com a temática. E.M.  


Simon & Garfunkel, Patterns (1966)

quarta-feira, 8 de julho de 2015


Folk rock para principiantes #2 - Steeleye Span

All around my hat (1975) 


Os Steeleye Span são uma espécie de irmãos mais novos dos Fairport Convention - aliás, os Span foram no início um "offshoot" dos Fairport, iniciados aquando da saída, em 1969, do baixista Ashley Hutchings. A grande cartada que elevou os Steeleye a um nível elevado foi o recrutamento de Maddy Prior que, apesar da sua juventude (22 anos), era já uma veterana do circuito folk de Londres. A voz de Maddy era, em comparação com a sua "concorrente" Sandy Denny nos Convention, mais leve, mais doce, mas também mais facilmente afinável para o ouvido dos anos 70. Em 1975, os Steeleye Span atingem o ponto de equilíbrio entre a tradição folk e as linhas mestras do rock psicadélico e progressivo. O álbum All Around My Hat foi um êxito de vendas no Reino Unido e o seu tema-título, versão de um tradicional inglês de inícios do século XIX, conta a história de uma jovem noiva que, sozinha após a deportação do seu amado para a Austrália, usa no seu chapéu as flores do salgueiro, símbolo tradicional do luto: "All around my hat I will wear the green willow." Saborosamente tradicional, sentimental sem ser lamechas, e expoente das capacidades de comunicação de Maddy Prior, é um ponto alto do folk rock inglês. E.M.   



Steeleye Span, All around my hat (1975)    

terça-feira, 7 de julho de 2015

HÁ DIAS FELIZES!

Como este em que, contrariando toda uma vida de não ganhar em concursos, me saiu um bilhete para o festival Alive. Podia escolher o dia, pelo que vou a 11 (sexta-feira), para ver um dos grupos mais queridos aqui pelo NascidoParaOuvir, The Jesus and Mary Chain. no palco Heineken, pelas 22h35, se não houver atrasos. Ainda no palco Heineken, antes, pelas 19h40, quero comprovar que os portuguesíssimos Dead Combo se comportam bem em frente a multidões deste calibre - estiveram muito bem o ano passado no Sol da Caparica, mas aí jogavam em casa, num cartaz todo em português. Pelo meio, e sempre no palco Heineken, os veteranos Mogwai, que nunca em 20 anos de actividade consegui vislumbrar. As suas sinfonias instrumentais post-rock estão mesmo a pedir o pôr do Sol no mar e uma grande cerveja gelada. A quem lá se deslocar, boas vibrações. E.M. 



Blondie, Dreaming


BLONDIE. Haveria algum miúdo com ouvidos bem abertos ali entre 1976 e 1984 que não estivesse perdidamente caído por Debbie Harry? - que, para todos os efeitos práticos, era A Blondie e OS Blondie. Eu sei que estava. E apesar de ela agora ser uma (semi)respeitável senhora, confesso que a visão daqueles cabelos outrora tão louríssimos ainda me faz pensar...
"Anyway, to the music we go".
Os Blondie foram um dos expoentes da new wave, daquele punhado de bandas nova-iorquinas (juntamente com Ramones, Talking Heads, Television e Suicide, de entre os mais sonantes) que pegaram no espírito punk e o espalharam pelo Mundo com diferentes colorações. No caso do grupo liderado por Harry e o seu companheiro de muitas décadas Chris Stein, variaram desde a recuperação do rock dos anos 50 até ao disco e ao (falhado) reggae. Mas no que se especializaram foi naquilo que se poderia chamar de power pop punk. Exemplo máximo: Dreaming, o single de apresentação e de abertura do álbum de 1979, Eat to the Beat. Em pouco mais de três minutos, Debbie, aqui no seu tom de Manhattan-blasé, vai desconsiderando e ao mesmo tempo desejando o seu namorado. A melodia é inescapável, e o andamento é frenético - na bateria (vénia grande) estava o imenso Clem Burke, assim como que um Animal dos Marretas em versão humana. Um dos melhores percussionistas de sempre, com um domínio dos pratos sempre perigosamente perto da implosão, de tal forma que os produtores tinham que lhe implorar para se refrear. E em palco (como se pôde ver há alguns anos no festival Alive, ali para Algés), uma parede de plástico transparente entre a sua bateria e a frente do palco, não fosse Debbie levar com uma baqueta ou uma tarola descontroladas. E.M.



                                                 Blondie, Dreaming (1979)



   

domingo, 5 de julho de 2015

Folk rock para principiantes #1 - Fairport Convention

Em finais dos anos 60, princípios dos 70, a dinâmica e instrumentação do rock, então a força dominante da música moderna ocidental, aliou-se à tradição vocal e temáticas líricas do folk, dando início ao que se denominou, obviamente, folk rock. Os maiores expoentes surgiram no Reino Unido, onde havia bastos e imponentes nomes nas duas tradições e com vontade de as desenvolver. 
Um dos elementos fundadores são os Fairport Convention, aglomerado de artistas vários que hoje, após imensas mudanças de pessoal, ainda se mantém em actividade. Em Dezembro de 1969, prenunciando a turbulenta década que se avizinhava, a banda então liderada por dois nomes fundamentais - Sandy Denny (voz) e Richard Thompson (guitarra) - lançou Liege & Lief, que é "apenas" considerado como a pedra-de-toque do movimento folk rock. Quer através de versões de temas de raiz celta ou britânica, ou de originais que buscavam a essência nessas latitudes, Liege & Lief consegue aquele milagre de soar completamente espontâneo mas perfeitamente definido, e consegue manter a frescura e a inventiva passadas todas estas décadas. A voz de Sandy Denny, nesta altura já em rota de saída da banda e de uma morte prematuríssima em 1978, possui a maleabilidade técnica de uma profissional, o sonho de uma fada, e a razão prática de uma camponesa. Seminal, creio, é a palavra. Para ilustrar (mas podia ser qualquer outra) fica a canção que abre o álbum: Come all ye (letra de Sandy Denny, música do baixista Ashley Hutchings). "Enjoy, ye all". E.M. 


Fairport Convention, Come all ye (1969)

sábado, 4 de julho de 2015

ECOS DA CAVE, Desejo


Da safra de 1988, e também finalistas do inesgotável Concurso de Música Moderna do Rock Rendez Vous, os tirsenses Ecos da Cave ficaram para a possível posteridade com este Desejo, pedaço de rock que as guitarras em "stacatto" e a voz descarnada de Carlos Lima elevam acima da mediania dos filhos do eixo Manchester-Liverpool.
Mas muitas vezes penso em como há temas como este que, não tendo nada que os torne realmente memoráveis, ficam na memória mais acessível, enquanto muitos outros, e com muito mais exposição, se foram finando pelos caminhos do tempo. A vida e a música e a memória são realmente coisas muito curiosas. E.M. 

Ecos da Cave, Desejo (1988)
(via Youtube, com agracedimento a anasofiasc)

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Big Black, Kerosene

Ok, chega de baladinhas e pés-de-salsa. No outro extremo do espectro musical de Rufus e Judy... BIG BLACK. Banda punk seminal nos anos 80, oriunda do estado de Illinois e liderada pelo mago Steve Albini, cuja lista de produções ou misturas posteriores parece um "Who's who" do rock independente: Nirvana, Pixies, PJ Harvey, Manic Street Preachers...
Quanto aos Big Black enquanto banda, distinguiram-se por uma abordagem abrasiva, com guitarras corrosivas em cima de caixas de ritmos industriais, e por uma postura de permanente ataque político e de resistência aos aspectos comerciais e menos éticos da indústria musical. Levantando, portanto, a bandeira do que se denominaria de hardcore punk.   
Do álbum Atomizer (1986) sacamos Kerosene. Seis minutos de serras industriais através do cérebro. Uma vida minimal numa pequena cidade. A letra, apropriadamente reduzida, revolve à volta de "I was born in this town / lived here my all life / never anything to do in this town". Assim sendo, a solução só pode ser "kerosene"... para queimar a cidade, literal ou metaforicamente. "Something to do", basicamente. Repetitivamente e psicoticamente brilhante. A versão de The Model, dos Kraftwerk, no álbum Songs About Fucking, é um também um "must". E.M.   

Big Black, Kerosene (1986)


Big Black, The Model (1987)