It's a one time thing
It just happens a lot

Suzanne Vega

terça-feira, 30 de junho de 2015

Rufus Wainwright, I can't give you anything but love


Na noite de 23 de Abril de 1961, Judy Garland deu um espectáculo memorável no Carnegie Hall, em Nova Iorque, guardado para a posteridade no álbum Judy at Carnegie Hall. 

A 14 e 15 de Dezembro de 2006, Rufus Wainwright recriou, na mesma sala, o concerto de Garland, com praticamente a mesma setlist. O duplo CD daí resultante, Rufus Does Judy at Carnegie Hall, é claramente um trabalho de amor e adoração. Rufus recria o espírito de Judy, mostrando a inteligência e a desenvoltura que a cantora conseguiu naquela noite distante, em que momentaneamente se elevou das profundezas da depressão e dependências que a levariam à morte prematura antes do fim da década.
Num alinhamento recheado de standards dos musicais norte-americanos (em filme e teatro) da primeira década do século XX, o realce vai para I can't give you anything but love, uma belíssima balada de amor profundo e humilde, e das canções com menos batidas por minuto que por aí andam. E nota-se mesmo, como em Judy, ligeiríssimas imperfeições que, num disco ao vivo, não deslustram. Imperfeições provenientes da emoção, pois Rufus (como muitos dos entertainers homossexuais) tem Garland como um ícone, a nível artístico e a nível pessoal. 
Notas diversas: os pais de Rufus, os cantores Loudon Wainwright III e Kate McGarrigle, estiveram presentes no espectáculo original, e também nos do do seu filho. E todos estavam apinhados de celebridades do music business. Atenção ao belíssimo design de ambos os discos, que são muito semelhantes. E.M.



Rufus Wainwright, I can't give you anything but love (2006)



E para comparar, por que não o "original" de Judy Garland em 1961?

Judy Garland, I can't give you anything but love (1961)



domingo, 28 de junho de 2015

And now for something completely different...


Monty Phyton, Always look on the bright side of life (1979)


Os Monty Python são, "apenas", uma das referências culturais, e não só humorísticas, das últimas décadas. As séries, filmes, canções e frases dos seis (cinco, após a morte de Graham Chapman) são vistas, revistas, amadas, acarinhadas, repetidas e transmitidas às novas gerações.
Eric Idle, o melómano de serviço dentro do grupo, escreveu a canção Always look on the bright side of life para a cena final de A Vida de Brian (Life of Brian), filme hilariante e, como de rigueur, levemente blasfémico, de 1979.
Lembram-se, de certeza?... O protagonista, Brian Cohen (interpretado por Chapman), está a ser crucificado, juntamente com outros condenados, e, digamos, não está propriamente muito feliz com a sua condição e o seu destino. Eis quando um desses companheiros de infortúnio, Idle, começa a cantar Always look on the bright side of life, na tentativa de o alegrar.
E desde então, há sempre alguém por esse Mundo fora a cantar - ou a assobiar, que boa parte do refrão é de assobio - Always look on the bright side of life. Ou seja, olhemos sempre para as coisas positivas da vida, não nos deixemos desanimar pelos pequenos problemas ou grandes provações. Claro que o génio de Idle (e dos outros Python, que aceitaram a sua criação) é colocar uma canção destas no final de um filme que acaba mal, ao contrário dos templates, como, por exemplo, as longas-metragens de animação da Disney. Aqui o "forever" não é de felicidade para sempre, mas o reconhecimento de que a vida é mesmo um pedaço de esterco, e é melhor aproveitar o que se tem, e agora. E.M. 

Monty Phyton, Always look on the bright side of life (1979)


sábado, 27 de junho de 2015

Radar Kadafi


Nesse imenso viveiro de música portuguesa dos anos 80, há dois grupos que se distinguiram - pela inovação, pela diferença, pela inquietação, pela imaginação, pelo pouco tempo em que estiveram activos, e pela grande qualidade da pouca quantidade que nos deixaram em gravação. 
Uns foram os Mler Ife Dada.
Os outros, e que aqui agora abordo, os Radar Kadafi. A banda lisboeta é, como tantas outra de então, descoberta no Concurso de Música Moderna do Rock Rendez Vous. O álbum único, de seu elegante nome Prima Donna, é editado em 1987. E é uma pequena maravilha, um repositório de lembranças de outras épocas, canções cantadas em línguas de paixão (francês, castelhano, italiano - além do nosso português), estilos recuperados de antigamente (nomeadamente os latino-americanos). Canções de amor, de ciúme, de luxúria. Deste OVNI no panorama pop rock de então saíram dois temas que continuam a ser passados regularmente nas rádios - 40 graus à sombra e Eu sei que não sou sincero. São excelentes, e bem representativos da estética dos RK, mas sempre tive um fraquinho por Le rasoir qui tue - o nome é todo um programa de leviandades em bairros pouco recomendáveis.
Após a saída do álbum, o grupo finou-se, e quase todos os seus elementos se dedicaram a carreiras longe da música - as excepções são Luís Sampaio, o teclista que foi conhecer o sucesso com os Delfins, e Tiago Faden, o baixista que entrou para o mundo editorial. 
Aí fica então Le rasoir qui tue, em versão "sha lala laia" retirada do Youtube directamente do vinil - os riscos bem audíveis apenas aumentam o charme de um grupo que sempre se dedicou mais à emoção do que à excelência técnica. E.M.


Radar Kadafi, Le rasoir qui tue (1987)




sexta-feira, 26 de junho de 2015

As catacumbas da Gulbenkian

Tive ontem o prazer de visitar as reservas do CAM - Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. São visitas que se realizam poucas vezes, em grupos restritos, devido a questões de segurança e conservação - as obras são muito sensíveis, e grupos de visitantes a respirar aumentam a temperatura e a humidade. As reservas, para quem não eventualmente não saiba, são os armazéns onde os museus guardam as obras da sua colecção que não estão em exposição. Neste caso, e como em quase todos, são muitas mais as obras guardadas do que as expostas: uma relação de 400 para 10.500, segundo a excelente conservadora/guia, cujo nome infelizmente não fixei.
Foi um privilégio estar, por exemplo, a meio metro do famosíssimo retrato de Fernando pessoa por Almada Negreiros (que se pode ver em baixo), ou ver obras de Cabrita Reis desmontadas ao pé de Croft ou fotografias tratadas de Helena Almeida. É verdade que se fica a saber mais, e que se olha para as obras com um olhar diferente de quando estão imaculadas no seu "white cube" das exposições. Vivamente recomendável. E.M.   

Retrato de Fernando Pessoa, por Almada Negreiros (1964)
Resultado de imagem para quadro fernando pessoa almada negreiros

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Catatonia, International velvet 


O britpop, movimento rock que dominou a paisagem musical britânica em meados dos anos 90, era essencialmente Londres-cêntrico, se bem que o nome maior, Oasis, fosse proveniente de Manchester. E teve também lugar para os galeses Catatonia, uma bela bandinha mais pop mas que punha as garras de fora através da voz e presença da vocalista Cerys Matthews. O álbum maior - International Velvet, de 1998 - incluía temas como Road rage (quem não a sente nas ruas de Lisboa?...) e Mulder and Scully (dedicado aos dois protagonistas da série The X Files, que muito boa gente adorava mas que sinceramente passava ao lado do NascidoParaOuvir.), mas a preferência vai para a canção-título.
É uma música algo tribal, própria para cantar à volta da fogueira e do totem e para unir a identidade. E é quase toda cantada em galês. Ou seja, e apesar de os Catatonia se apresentarem mais como internacionalistas - dadas as suas raízes operárias e esquerdistas - do que nacionalistas, não deixa de ser um apelo à unidade galesa. E como é o refrão, esse sim cantado em inglês pela sacerdotisa Cerys? "Everyday when I wake up I thank the lord I'm welsh"... E.M.

Catatonia, International velvet (1998)


P.S: O começo é curiosamente semelhante a Beetlebum, dos Blur. A conferir:

Blur, Beetlebum (1997)

terça-feira, 23 de junho de 2015

PULP E A CRISE DA GRÉCIA


Lembram-se de Commom people, o inesperado sucesso que em 1995 atirou os Pulp para alguns anos de fama? 
Começava assim:
                   "She came from Greece she had a thirst for knowledge
                    She studied sculpture at Saint Martin's College" 

E sabem quem era ela (she)?
Ao que parece, era Danae Stratou, artista e actual esposa do ministro das Finanças da Grécia, o tristemente célebre Yanis Varoufakis. Segundo Jarvis Cocker, vocalista e letrista dos Pulp, ela era a única estudante grega naquela conceituada faculdade de Belas-Artes de Londres. Ou seja, a canção é em parte biográfica. Em parte... na parte de querer saber como vivem as pessoas normais (leia-se pobres), pois isso parece mesmo que a aristocrática Danae terá inquirido. Mas, segundo Cocker, não é verdade a parte de ela ter dito "I wanna sleep with commom people... like you". Isso era apenas um desejo não verbalizado de Jarvis. De qualquer forma, é uma bela história, e que mostra que se deve ter cuidado com o que se passa para vinil/CD/Mp3,4 etc., pois nunca se sabe o que o futuro reserva às personagens. Post com agradecimento a Sérgio K., apreciador de histórias musicais que me alertou para esta, e ainda por cima tem ascendência helénica. "Efxaristó!" E.M.

P.S.: Com imensa força de vontade, refreio a vontade de fazer piadas com a situação económica da Grécia e de como afinal ela, Danae, soube bem ver como viviam as pessoas normais/pobres, pelo menos as do seu país.


Pulp, Commom people (1995)
 

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Jackson & Jagger em estado de choque


Estes dois senhores - Michael Jackson e Mick Jagger - fizeram muita coisa muito boa, mas também fizeram muita miséria - lá iremos algum dia.
Mas aqui - State of schock (1984) -, numa ocasião especial, fizeram algo especial.
Isto porque se em meados dos anos 80 qualquer deles já se estava a destacar pela excentricidade e pela ornamentação barroca nas suas carreiras "oficiais" (Michael após o pico de Off The wall e Thriller, Jagger com os Rolling Stones após Tattoo You), aqui apostaram num minimalismo radical e na pura potência de bateria, baixo e voz.
State of Schock foi composta por Michael Jackson e o músico de estúdio Randy Hansen e estava destinada a ser gravada por Michael e Freddie Mercury dos Queen, para possível inclusão em Thriller. Mas a logística (e, ao que parece, a conjugação de egos) não funcionou, e acabou por sair no álbum Victory, em nome dos The Jacksons.
Canção gutural, é prima muito próxima, por exemplo, do que andavam a fazer por essa altura Prince e os Sly Fox, na rota de descarnação de duas tendências opostas que o hip-hop estava a reunir: a electrónica e o r'n'b - note-se como existe tanto tempo de respiração, de ar, entre as guitarras. E as vozes das duas superestrelas encaixam-se e conseguem evitar a sobreexibição. E.M.

State of schock, The Jacksons (1984) Vozes: Michael Jackson e Mick Jagger

 

domingo, 21 de junho de 2015



Rock português, guitarradas de antanho #2


Go Graal Blues Band, Lonely (1983)

Antes de Paulo Gonzo ser o crooner romântico de grande sucesso, foi o vocalista da Go Graal Blues Band, um prezadíssimo grupo que conseguiu uma bela audiência (espectáculo em nome próprio no Coliseu de Lisboa, que era então o ponto mais alto de uma carreira) mas que agora só quem se interessa a sério pelo rock e pelos blues não esqueceu. Para além da voz, rouca, poderosa e dengosa, de Paulo Gonzo, o outro elemento fundamental era João Allain, que para mim poderá muito bem ter sido o melhor guitarrista português nestas ondas inspiradas no Sul dos Estados Unidos. Se não, ouçam este Lonely, single de 1983 (em inglês, como era apanágio da banda) e sintam o feeling e a técnica do João Allain. No Youtube está o videoclipe original. A fraca qualidade de som é contrabalançada pela visão das roupinhas de então e dos penteados das meninas a fazer back vocals. E Gonzo com maquilhagem à Festival da Eurovisão. Mas adiante, que o importante mesmo são os solos de João Allain. Dá-lhe, João. E.M. 


Go Graal Blues Band, Lonely (1983)



sábado, 20 de junho de 2015

HOT DISCO... DISCO INFERNO


Com o calor que está por Lisboa, este título está mesmo a calhar: Disco Inferno dos Trammps. O tema saiu em 1976, mas a fama, merecida e praticamente resumida a esta canção, veio com a inclusão, no ano seguinte, na banda sonora de Saturday Night Fever 
Basicamente, trata-se de um moinho de produzir batida (atente-se no uso diabólico do hi-hat, ou pratos sobrepostos), vontade de dançar e toda a gente a responder "burn", quando o vocalista Jimmy Ellis nos incita a "burn this mother... down" - nessa altura longínqua não se podia acrescentar o "fucker". 
E se Ellis tinha um vozeirão - provinha da área do gospel, e isso nota-se na forma como interpela os colegas e fala da sua alma. Aliás, não estará o inferno destinado a quem se deixa prender nas garras pecaminosas da dança, das discotecas e da promiscuidade? Não nos esqueçamos que em 1976 o disco ainda estava a sair do underground dos bares e dancings latinos, negros e gays.
Quanto a mim, há que fazer "mea culpa": jovem e inconsciente, abominava o disco, que deixava para a minha irmã mais velha e a sua turma, e dedicava-me à new wave, ao punk, ao hard rock. Passadas décadas, reconheço que havia um estrato básico de disco de grande qualidade (e até muitos temas que não chegaram à fama e o mereciam) e que constitui actualmente a dieta de base para muitas discotecas, seja na passagem dos originais seja na recuperação por parte de artistas contemporâneos. Para dançar com um cocktail estupidamente gelado, pois então. Ah, versão longuíssima, claro. E.M.

The Trammps, Disco Inferno (1976)



sexta-feira, 19 de junho de 2015


Rock português, guitarradas de antanho #1


Roxigénio, Stiff-necked obstinated (1982)

Há grupos que tinham tudo para, à partida, dar certo. Por exemplo, os Roxigénio. Na voz, António Garcez, veterano que nos anos 70 liderara os Arte e Ofício. Na guitarra, Filipe Mendes, um dos grandes heróis das seis cordas depois "perdidos". No segundo álbum, Roxigénio 2, surgiam alguns belos pedaços de blues rock. Só que o timing já não era o acertado, e a banda finou-se pouco depois, como dinossauros que não se souberam adaptar à paisagem musical que então rapidamente se alterava - note-se as semelhanças a nível de baixo e produção com, por exemplo, os também efémeros Roquivários. Mendes surgiu há alguns anos na RTP1, aquando dos seus 65 anos, e caraças, não perdeu qualidades. Para não esquecer,Stiff-necked obstinated. E.M.


Roxigénio, Stiff-necked obstinated (1982)




segunda-feira, 15 de junho de 2015

BLUR aproximam-se


Os Blur tocam a 17 de Julho no Super Bock Super Rock (Parque das Nações, Lisboa). Uma olhadela pelo inestimável site Setlist.Fm (www.setlist.fm) permite perceber que, após no início do ano terem dado espectáculos que consistiam na totalidade do novo álbum The Magic Whip mais dois ou três êxitos no encore, agora, com os novos temas já polidos, estão a presentar um alinhamento mais equilibrado. Ou seja, um bom punhado de The Magic Whip, outro tanto de Parklife (o clássico de 1994), mais um ou dois temas de cada um dos restantes (Modern Life is Rubbish destaca-se pela ausência). No sábado, no festival da Ilha de Wight, avançaram com a setlist apresentada em baixo e que, mais coisa menos coisa, deverá ser o que poderemos ouvir junto ao Tejo. Por aqui, espera-se com ansiedade Tender e BeetlebumE.M. 

Go out (The Magic Whip, 2015)
There's no other way (Leisure, 1991)
Lonesome Street (The Magic Whip, 2015)
Badhead (Parklife, 1994)
Coffee & TV (13, 1999)
Out of time (Think Tank, 2003)
Thought I was a spaceman (The Magic Whip, 2015)
Trimm trabb (13, 1999)
     I broadcast (The Magic Whip, 2015)
Trouble in the message centre (Parklife, 1994)
Beetlebum  (Blur, 1997)
Tender (13, 1999)
Ong Ong (The Magic Whip, 2015)
Parklife (Parklife, 1994)
Song 2 (Blur, 1997)
To the end  (Parklife, 1994)
This is a low (Parklife, 1994)
Stereotypes (The Great Escape, 1995)
Girls & boys (Parklife, 1994)

The universal  (The Great Escape, 1995)

domingo, 14 de junho de 2015

Radiohead, No surprises


Haverá alguém que nunca tenha sido ferido pelo sentimento desta canção?

Frase-chave: A heart that's full up like a landfill
                             A job that slowly kills you
                                    Bruises that won't heal

Belíssimo e sufocante vídeo, um plano único da face do vocalista Thom Yorke a ficar sufocado pela água que vai subindo no aquário. A angústia como o alimento do dia-a-dia. E.M.

Radiohead, No surprises (1997)


sábado, 13 de junho de 2015

Stand by me, Ben E. King


Há canções que, assim que as ouvimos pela primeira vez, nunca mais as esquecemos. É o caso desta Stand by me (1960), do recentemente falecido Ben E. King - que a compôs, juntamente com a dupla Jerry Leiber e Mike Stoller. A canção é de uma simplicidade e de uma limpidez admiráveis - basicamente uma linha de baixo pristina, percussão minimalista (reco-reco e triângulo), um belo arranjo de cordas, cortesia de Stanley Applebaum, e, claro, o vozeirão de Ben. John Lennon, que era um homem que percebia duas ou três coisas sobre grandes canções, era fã, e fez uma versão para o álbum Rock'n'Roll, em 75. E percebe-se porquê, ouvindo a letra, de esperança e de redenção através da amizade. Farol para o futuro em noites de solidão e tristeza, Stand by me é universal, e a sua influência é tal que a sequência de acordes que utiliza é por vezes designada como "progressão de Stand by me". O filme que lhe pediu o nome emprestado, em 1986, com River Phoenix e Wil Wheaton, também não é de desprezar. E.M. 


Stand by me, Ben E. King (1960)

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Dois filmes grandes sobre grandes museus


Estão ainda os dois documentários em exibição em Lisboa (no Monumental, claro), e, pelo que vi in loco, com surpreendentes boas audiências. O primeiro, e a minha escolha pessoal, é O Grande Museu, de Johannes Holzhausen, que aborda o Kunsthistorisches Museum, o vasto e majestoso repositório de arte europeia e nomeadamente austríaca situado em Viena. Não se vê um único visitante, não há qualquer voz off ou comentário, as palavras são poucas, mas o que mostra mostra mesmo o que é o museu estatal austríaco. É um documentário para quem gosta de museus, de museologia e de museografia.

Duas sequências apenas para exemplificar: um jovem funcionário, numa sala de reservas, pega na sua trotineta, e vai seguindo em cima dela sala após sala, durante quase um minuto, sempre seguido pela câmara, até que por fim chega a uma sala, pára, sai da trotineta, dirige-se a uma fotocopiadora... e tira de lá a singela fotocópia que tinha mandado imprimir do seu computador, tantas salas atrás. O que se vê aqui? Um museu fisicamente imenso, salas novecentistas desajustadas à dinâmica e às tecnologias modernas, salas a rebentar pelas costuras com reservas que, na sua maioria, nunca terão oportunidade de serem expostas.
Outra, na reunião de directores que antecede a visita do presidente da República, quando a (presumo) directora de relações exteriores e/ou protocolo lê exaustivamente todos os passos que serão dados pela directora do museu e pelo chefe do Estado. Aí se nota toda a aridez de uma relação que já nada tem a ver com arte, mas sim com poder, com representação, enfim, com quem, no fundo, representa o Estado que (cada vez menos) financia o museu.   









National Gallery, de Frederick Wiseman, é um documentário para quem gosta de quadros e de história da arte. Nas suas três horas de duração, torna-se, para o fim, entediante. Não está em causa a qualidade de muitos dos curadores e o que dizem, nem a forma quase pictórica com que o público é filmado, mas perde na comparação com O Grande Museu, porque se compraz na palavra, nas palavras, na teoria, na embriaguez dos grandes mestres, e esquece de mostrar o que Holzhausen intuiu: que são as pessoas, os funcionários, os seus passos, as paredes, os silêncios, que fazem também um museu. E.M.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Disposable Heroes of Hiphoprisy, Television, the drug of the nation


No início dos anos 90, Michael Franti (poeta, rapper, agitador, produtor et al.) tinha dentro de si o pulsar do Mundo e a noção dos maus caminhos por onde este se estava a meter, nomeadamente nos seus Estados Unidos.

Ataque feroz à ignorância dos "media", ao embrutecimento que cria nos espectadores, nas mensagens de isolamento e xenofobia que cria no americano médio, eis Televison, the drug of the nation, tema de ponta do álbum de estreia dos Disposable Heroes of Hiphoprisy, que Franti integrava juntamente com o percussionista Rono Tse. 

Ouça-se as frases iniciais: 

"One nation under god has turned into one nation under the influence of one drugTelevision, the drug of the nation, breeding ignorance and feeding radiation"

Ouvir este tema é sentir um martelo pneumático que, através das batidas, dos samples e de um groove pesado, e das palavras meio faladas, meio cantadas de Franti, nos faz interiorizar factos que na altura eram novidades, mas que o poder dos meios de comunicação e destruição norte-americanos tornaram banais em todo o Mundo, como as contradições em termos que são, por exemplo, "military intelligence". Mortes de civis são "danos colaterais", e "friendly fire" é ser morto pelo nosso próprio exército.

Mais de 20 anos depois, tão clinicamente exacto e arrepiantemente actual. A televisão e a imbecilidade do monstro americano continuam, surgiram novos meios digitais, e pergunta-se: onde está a consciência dos artistas urbanos dos USA, afogados em vagas de gangstas e blings e hoes? E.M. 





Disposable Heroes of Hiphoprisy, Televison, the drug of the nation (1992)



domingo, 7 de junho de 2015

Angelo, Manahuna

Pelo menos uma vez na vida, se houver condições financeiras, deve-se deixar para trás a terrinha e as obrigações burguesas e sair à aventura pelo Mundo. Tive a felicidade de o poder fazer, e o primeiro destino foi a Polinésia Francesa, as ilhas paradisíacas de Tahiti, Moorea, Huahine, Raiatea, Tahaa e Bora Bora. Deitados  em redes com um pezinho na água morna da lagoa, as tardes de ócio no hotel do motu Vahine eram passadas com música a condizer: reggae e taitiana. Uma das cassetes que rodavam insistentemente era Manahuna, de Angelo Neuffer, mais conhecido apenas pelo seu nome próprio. Um dos mais respeitados artistas das Ilhas da Sociedade, Angelo faz uma mistura brilhante entre a tradição do seu povo e as influências ocidentais, desde logo de França, "mãe" colonizadora de ambivalentes relações. O tema-título que se pode ouvir em baixo é um bom exemplo. Atente-se nas percussões, nas vozes em background das "vahines" (raparigas), mas também na produção cuidada e na guitarra bem moderna. A estranheza das palavras - a bela língua taitiana, repleta de vogais e com pouquíssimas consoantes - é contrablançada pela força da mensagem. "Manahuna" é uma forma mais forte e enfática da palavra" não", aqui utilizada para se opor à tensão, violência e intolerância que pode aparecer na sua "fenua" (casa ou terra). Post dedicado a Jeanette, do Ohio via Japão, que numa noite se sentou comigo na marginal de Papeete. E.M. 


sexta-feira, 5 de junho de 2015

BAN, Alma dorida



João Loureiro, antes de seguir os passos do papá major Valentim e pegar nos destinos do Boavista, andou pelos caminhos tão ou mais excitantes da música moderna. Na passagem dos anos 80 para os 90 os BAN, já com a grande voz de Ana Deus (imensamente desaproveitada pelo patrão Loureiro e mais tarde engrandecida no projecto Três Tristes Tigres), enveredaram por um pop elegante, agradável e de produção cuidada. Mas antes, em 1984, e seguindo o recorte urbano-depressivo do eixo Manchester-Liverpool cuja matriz passava pelos Joy Division, tinham editado um curioso single/mini-LP com este Alma dorida. A voz de Loureiro não é das melhores, mas dentro deste género, em que os temas eram geralmente compostos em acordes menores e cantados em tons mais baixos, fica com um certo charme. E note-se que, ao contrário, por exemplo, do que fizeram os Sétima Legião, os BAN aqui não puseram nadinha de português, excepto as palavras. Tudo o resto é tiradinho de Inglaterra. Os BAN de Irreal social e Num filme sempre pop seriam depois muito mais alegres e dançáveis, pelo que Alma dorida fica como retrato do artista enquanto jovem, curiosamente com a alma muito mais velha de que viria a ser no futuro. E.M.



BAN, Alma dorida (1984) 




quarta-feira, 3 de junho de 2015

NUNCA HOUVE PACHORRA PARA... KILLING ME SOFTLY, versão dos THE FUGEES 


Acusação: assassínio de uma grande composição
Acusados: The Fugees (Wyclef Jean, Lauryn Hill, Pras Michel)
Data da ocorrência: Primavera de 1996
Provas: audição de Killing me softly
Conclusão: os réus utilizaram os mais baixos denominadores comuns do hip-hop comercial para retirarem toda a dignidade, emoção e inteligência da versão canónica (Roberta Flack, 1973). Especial  destaque para a imbecilidade gritante de Wyclef Jean a dizer "one time" (com eco...) como estivesse com os seus "homies" na esquina a "dealar". Imperdoável.
Pena: que sejam removidos da memória musical dos anos 90

Para lembrar, sim, Killing me softly por Roberta Flack, com letra dedicada e sobre o cantor Don McLean, famoso por American pie. E.M.


Roberta Flack, Killing me softly (1973)    


segunda-feira, 1 de junho de 2015

Virginia Astley, Melt the snow (1985)

Banda sonora para uma Inglaterra que se calhar apenas existiu nos nossos sonhos e nas séries de qualidade da BBC. Carneiros, colinas verdejantes, jovens inocentes de sombrinhas na mão, piqueniques com sandes de pepino, passeios no lago e neve nos telhados da mansão... Virginia Astley em 1985 com Melt the snow, EP para a Rough Trade, onde pontilhavam então os The Smiths, outra quinta-essência da "englishness". E.M.

Virginia Astley, Melt the snow (1985)