Blurred Lines, plágio e medo do futuro
Blurred Lines, de Robin Thicke (com inputs muito significativos
de Pharrell Williams e T.I.), é, antes de mais, um pedaço de pop delicioso que
animou os Verões de 2013 e 2014 e, pelo menos por estas bandas, vai ficar sempre
no cesto virtual marcado com “Canções para alegrar o corpo sem incomodar muito
a cabeça”.
Desde o início, o tema não fugiu à polémica – nos Estados
Unidos, claro. Porque as três modelos no vídeo se apresentavam demasiado
despidas (o que, no caso da versão explícita, acontecia mesmo), que a letra era
misógina, machista, e outros quejandos. Enfim, carne de canhão para a miopia
puritana dos States.
O problema surgiu mesmo quando, algo inocentemente e sem
imaginar o que ainda lhe apareceria pela frente, Robin Thicke afirmou em entrevistas que se inspirara no ambiente/”feeling” de Got to give it up, de Marvin
Gaye.
A família do grande cantor soul (assassinado a tiro pelo seu
próprio pai em 1984, o que dá logo mostras do nível da referida família), responsável
pelo seu “estate”, decidiu avançar com um processo de plágio. E não é que
ganharam?!... Um júri decidiu neste Março que Thicke teria que desembolsar 7,4
milhões de dólares (aí uns 7 milhões de euros) de indemnização. Para além das questões que levanta sobre o sistema judicial
norte-americano (uma dúzia de cidadãos sem qualquer preparação jurídica e
musical reúnem-se para decidir processos desta magnitude…), surge aqui um
problema que poderá vir a ser muito grave.
É que até agora os processos de plágio eram decididos por
especialistas que viam se havia ou não cópia de letras ou de determinado número
de compassos do original. Agora não: o júri afirma que Thicke e os seus companheiros
se limitaram a copiar “o ambiente geral da canção”.
O que poderão os artistas sentir? Medo de em entrevistas falarem das suas influências ou de temas de que gostem. Receio de criar canções
que partam de algum gosto de outro artista – haverá uma redução da criação
artística, com menos canções a serem feitas e menos experiências sónicas.
No plano geral, poderá haver um clima de suspeição
generalizado e de autocensura, o que é sempre pernicioso. Não se pode esquecer
que muitas das grandes obras artísticas das últimas décadas foram, mais ou
menos declaradamente, criadas a partir de valores alheios. Imaginem que os Beatles
tinham tido medo de se inspirar (e de louvar publicamente) em Chuck Berry ou
Larry Williams?
Esperemos que esta aberração: 1) não chegue a uma Europa
normalmente mais lúcida; e 2) crie uma reacção em sentido contrário.
E chega de prosa, ouçamos este belo groove. Lá onde quer que
esteja, Marvin Gaye deve estar a rir-se e a gingar-se ao som de Blurred Lines.
E, a olhar para as modelos, que ele era homem que bem apreciava o sexo (então
dito) fraco.
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