It's a one time thing
It just happens a lot

Suzanne Vega

domingo, 19 de abril de 2015

Manuela Moura Guedes, Foram cardos, foram prosas

A vida, como dizia o outro naquele filme reaccionário mas com uma bela banda sonora (Forrest Gump), é mesmo como uma caixa de chocolates. Quem poderia imaginar que numa época tão repleta de doces como foram os primeiros anos da década de 80, com o chamado boom do rock português, o maior bombom electropop viria de uma locutora de continuidade da RTP? Foram cardos, foram prosas é uma daquelas canções que nunca deixam de me encantar. Antes de mais, pela sua origem - música e produção de Ricardo Camacho, o médico eminência parda por trás dos Sétima Legião; letra de Miguel Esteves Cardoso, escritor, poeta, jornalista, crítico, ensaísta, professor e tudo o mais. Ou seja, desde logo uma imensa promessa de qualidade, concretizada depois na utilização de alguns dos melhores músicos de estúdio da época. A linha de caixa de ritmos com que se inicia a canção, e que se mantém sempre como a espinha dorsal a que se colam a bateria e o baixo, é daquelas que muitas vezes me apanho a cantarolar. O tom geral é épico, mas um épico provinciano, resguardado, de paixões que temem explodir. A letra é simplesmente sublime, ora mirem só:

Não foram poemas nem rosas
Que colheste do meu colo
Foram cardos foram prosas
Arrancadas do meu solo


Manuela Moura Guedes não tinha a melhor voz da paróquia (a carreira não passou do álbum de estreia e de fracasso de 1982, Álibi), e Ricardo Camacho terá mesmo dito que teve que puxar todos os faders da mesa de mistura do estúdio para que se conseguisse chegar às notas mais agudas. Mas tudo fica perdoado na magia da poção final. Tão à vontade para se ouvir numa festa "in" junto à praia como numa madrugada de nevoeiro beirã, Foram cardos, foram prosas é uma quinta-essência da música portuguesa, tão nacional como Tudo isto é fado ou E depois do adeus.


Foram cardos, foram prosas, Manuela Moura Guedes (1981)




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